domingo, 8 de novembro de 2009

Coisas que eu queria te dizer

Estou farta das suas reclamações, das suas cobranças, da sua cara fechada, do seu silêncio mal-humorado. Sua infelicidade constante me carrega para abismos escuros, para zonas de cegueira. A única coisa que temos ainda em comum, fora algum amor restante, é o fato de sermos estrangeiros sempre, não havendo qualquer lugar no mundo em que nos sintamos plenamente felizes, a não ser sob condições ideais. A diferença entre nós, porém, é que eu há muito, sob a marreta pesada do aprendizado, percebi que não existem tais condições. Isso as torna, e também a mim, mais maleáveis (ou passíveis de aceitação). A vida nos leva por sua própria vontade, baby, podemos contornar um pouco o caminho, optar por um ou outro lado em uma bifurcação, mas o final da estrada é quase sempre o mesmo. O que mais você quer de mim? casa e comida, abrigo e carinho, já te dou. Já te dei anos, sangue e sonhos, te dou asas e a gaiola aberta, mas você fica empoleirado com olhos agourentos, dizendo que faz isso por mim. Eu não quero este tipo de coisa de você, a melhor coisa que se pode fazer por outra pessoa, amada ou odiada, é ser você próprio feliz. As possibilidades que te dou, quando recusadas, voltam para mim e me fazem pensar que talvez eu deva alçar vôos distantes, mesmo que para você pareça ser em uma vassoura. Faça um favor a você mesmo: abra janelas, enfrente as ondas, volte a construir castelos de areia mesmo que bem frágeis, seja feliz. Não vou deixar de te amar por isso, ao contrário, te amarei bem mais, mesmo que à distância.

domingo, 4 de outubro de 2009

Decisões pós-férias (nada de novo no front...)

Contar mais vezes até dez
Respirar fundo
Ficar de boca fechada
Não me surpreender com mais nada
Não esperar absolutamente nada das pessoas(a não ser o pior)
Não fornecer munição
Não ser tão transparente
Não me dedicar tanto a coisas que não valham a pena
Não me desestruturar tanto frente a certas pessoas
Criar rotas de fuga

PS: Todas já quebradas antes do término da segunda semana de volta...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

S.O.S

Sempre gostei do frio, dos outonos pálidos e mesmo cinzentos invernos, sempre pouco solar, Deus me deu desidrose, fotofobia, pressão baixa. Mas de repente o ar molhado sufoca, impede a respiração, os joelhos e demais juntas doem, a gosma penetra, fere, a umidade me mata. Um ano do cubículo sem sol criou escaras, camadas de líquen sobre os ossos que ainda persistem, que não descolaram apesar do tempo passado, orvalho sobre a pele. Continuo gostando dos banhos de chuva, não incomoda andar sob pingos quando gordos, a água é limpa, mesmo sob o céu poluído e tóxico lava meus pensamentos. Incomodam-me as gotículas paralisadas nos cômodos, nas roupas, na superfície das portas. A gente envelhece, eu sei, começa a fazer previsões do tempo pelas cicatrizes, e também agora talvez eu esteja tão próxima da queda como nunca, tão próxima de uma depressão maior do que o pânico com o qual lutei ainda com forças há três anos, pior que há mais de dez anos me defendendo de uma infecção nos pulmões, coração e cérebro, que este tempo antecipa desastres. Estou bambeando sobre o nylon, passando longe de pontes e escondendo a tesoura antes de usar o espelho, durante o dia distribuindo sorrisos que falseiam a obscuridade interior, a vontade de rasgar a cobertura de escamas encharcadas e vomitar vísceras- é difícil abrir mão da máscara de fortaleza e futilidade diária, minha armadura brilhosa corroída por ferrugem tetânica...!
Estou mais do que nunca precisando de você, volta meu querido, meu apoio sem bases muito firmes, meu cilindro de oxigênio mal calibrado, meu bote salva vidas furado, minha saída de emergência miragem, mas a única que enxergo nesse instante de vertigem em que me afogo na neblina úmida.

domingo, 19 de julho de 2009

O que é feito da Mulher-Aranha?



Se tem uma coisa que devo agradecer em nascer entre dois irmãos, entrar na escola(e não creche) com 01 ano de idade e ter morado em uma rua predominantemente masculina, é ter adquirido alguns hábitos incomuns no que se refere a gosto infanto-juvenil. Meu irmão mais velho me ensinou a brigar como homem, gostar de carrinho de rolimã, ouvir Beatles e heavy-metal, curtir filmes de terror e, finalmente, a ler gibis de heróis. As HQs e seus personagens sofreram uma evolução imensa durante toda minha infância e adolescência, hoje acompanho bem pouco, a não ser por edições especiais, mas alguns fatos ficaram marcados:o Surfista Prateado foi um dos primeiros personagens a apresentar dúvidas existenciais e questionamentos filosóficos, mas não era humano. Sem dúvida o Homem-Aranha foi o primeiro a ser humano na sua totalidade, um cara fodido, com problemas reais como a falta de grana, necessidades básicas de sobrevivência, emprego de merda, etc etc. Mas a personagem que mais causou impacto na minha pré-adolescência foi sem dúvida a Mulher-Aranha (que nenhuma ligação tinha com sua versão masculina).
A Mulher-Aranha chamava-se Jessica Drew, era filha de um cientista ou coisa assim, tinha adquirido seus poderes ainda criança, quando recebeu uma injeção a base de não sei o quê de aranha para não morrer. A questão não é como ou quais poderes ganhou, o grande lance da Mulher-Aranha era quem e como era sua vida. Era uma morena gênero "gostosona" quando vestia o uniforme, já tinha sido do Mal mas se redimido, era atacada e incompreendida. E também seu alter-ego, Jessica. Jessica era bonita, inteligente, mas não arranjava emprego, namorado, ou amigos. Era estranha. As pessoas sentiam uma certa aversão por ela. Provocava uma "sensação", provavelmente química, que afastava as pessoas. O fato é que não achava lugar no mundo. Lembro das inúmeras tentativas frustradas em entrevistas, dos caras que a convidavam para sair e davam pra trás, da absoluta solidão e falta de relações.
Eu era criança, tinha poucas amigas e me dava bem melhor com os meninos, mas tem um momento em que os interesses meio que se afastam, infelizmente é o mesmo em que as meninas também têm uma tendência mais rápida a se ligarem em futilidades (isso muda com o tempo, ou ao menos se iguala), as mínimas amigas que tinha foram convergindo para outros caminhos, os garotos para seus próprios, e eu era, naquele momento, a Mulher-Aranha ou, pelo menos, Jessica Drew. Lógico que nem de longe tinha um terço da beleza dela, mas compensava com a mesma timidez, o mesmo sofrimento, a mesma sensação de inadaptabilidade. Ao contrário das crianças que se perguntam, ou imaginam, que foram adotadas, eu me perguntava se não havia recebido uma injeção igual a da Mulher-Aranha.
E cresci assim, fechada, quase incapaz de levar um papo numa boa com as pessoas por um longo período, sendo aquela que nas festas e aglomerados passa despercebida, que nos grupos fica isolada, que não se sente à vontade em nenhum lugar. Não reclamo disso, aprendi a conviver com o fato e esperar as pessoas exatas para me deixar conhecer.
Mas hoje acordei às 4h30 da manhã depois de 03 dias de uma pseudo (re)convivência com alguém que já amei demais de uma forma não-carnal mas ainda mais profunda, alguém que é capaz de me levar às lágrimas com os mais simples gestos porque eu conheço-o bem demais e ele a mim, embora a gente se veja tão pouco, alguém que me enxerga por baixo da máscara de pele, e me mantive bem longe, à distância segura, no escuro deixando as palavras que só a mim atingem de maneira tão particular me machucarem. Tão perto, tão longe...
Me lembrei da Mulher-Aranha. Um dia ela simplesmente sumiu, deixou de circular. E embora acredite, não consigo me lembrar se em algum momento se encontrou, foi acolhida. Porque simplesmente resolveram cancelá-la.

domingo, 28 de junho de 2009

Blusa Vermelha

Preciso encontrar uma saída, fecho os olhos e vejo o rosto dele, um rosto, nada mais, talvez a saída esteja dentro de mim ou sobre o criado-mudo, estou só, na penumbra, acendo a luz do abajur, minha imagem surge no espelho, uma mulher madura de cabelos negros, um rosto grave, olhar pacífico, em pé diante do espelho acaricio meus seios, a pele do braço se arrepia, borrifo perfume em meu corpo, escolho a roupa que vou usar, uma saia preta e uma blusa vermelha, uma mulher de blusa vermelha está disposta a se entregar, escolho a roupa íntima, meias de seda finas, estendo as peças sobre a cama, fecho os olhos para pensar nele, decidir, os compromissos têm vida própria, olho para ele enquanto ele se move na escuridão, meu espírito prisioneiro de alguma secreta lei natural, como um girassol, se eu fosse um pouco mais jovem, alguns anos somente, estendo a pele de meu rosto, visto a lingerie, calço as meias e os sapatos de salto alto, se eu fosse um pouco mais magra, um pouco menos triste, visto a saia, a blusa vermelha, passo batom, e se ele não gostar de batom?e se ele não gostar de meu perfume, de meus pêlos, e se ele não gostar de mim?um ser humano seduzido é uma opressão, fecho os olhos, a imagem dele flutua no escuro, por que seu olhar era pra mim?por que ele me olhava com olhos tão pungentes? não quero esse olhar suplicante, não quero revelar meu corpo nem minha alma, eu não saberia dizer as palavras que penso ou as palavras que ele espera de mim ou eu mesma espero, visto a blusa vermelha, a blusa marca os meus seios e envolve meu corpo numa espécie de fulgor, de sugestão sexual, de carne, alguém me disse que uma mulher ao vestir uma blusa vermelha está disposta a seduzir e a se entregar, o vermelho atrai e prende os olhares ao corpo, ou aos lábios, um batom vermelho um vestido vermelho um copo de sangue um incêndio, introduz o olhar no interior do corpo, penteio os cabelos, pego o vidro de perfume, o isqueiro, apago a luz, em pé diante do espelho derramo o perfume em meu corpo e me vejo vestida com a blusa vermelha, pronta para me entregar, pouco importa o que eu revelar, nunca será a verdade.
Ana Miranda
PS: Na minha total falta de criatividade e disposição, pra que tentar escrever melhor do que já escreveram um dia?

domingo, 24 de maio de 2009

Quando pequena me alimentava de pimenteira brava, dizia minha avó, comia jiló imaginário, era marrenta, cruzava os braços, travava os lábios e me recusava a chorar. Recusei peito e leite materno, aprendi a tomar café quente, frio ou gelado com meu avô, a brigar com irmão mais velho, escalava parede subindo pelos batentes das portas, corria na rua sem camisa, andava de carrinho de rolimã. Estourei dois dedos em caixa de espoleta, explodia formigueiro no sítio, subia no telhado, subia em árvore pra pular segurando folhagem achando que ia voar, cortava cabelo das bonecas. Corri com febre alta, ralei joelho e infeccionou por meses, peguei sarampo com 16 - o que estragou minha saúde mas tudo bem - já dei soco na cara de namorado, mordi lábio de outro até sangrar, fui segurada pra não pular em pescoço de diretor, arranquei maçaneta de camarim, quebrei box de banheiro com chute.
Hoje sou calma, gosto ainda de chupar limão azedo, comer mostarda de colher, falar palavrão a torto e direito quando puta da vida, fazer serviço de manicure com os dentes, cutucar casca de ferida. Hoje eu choro de raiva, choro também de dor sentida, ainda tenho ganas de pular em pescoço alheio, mas me tornei civilizada, enquadrada, burocrática. Estou voltando ao ciclo da gripe constante.

sábado, 23 de maio de 2009

A caminho de casa parei naquele posto, entrei no Banco, e lá, solitária, meu cartão travou no caixa eletrônico. Tive um segundo de sensação de Deja vu, lembrei de vc, Joãozinho, a gente se encontrou pelo menos umas três vezes na mesma situação, no mesmo lugar, tão perto do seu trabalho... Vc pediu licença e explicou que naquele caixa tinha que colocar o cartão devagar, tirar com a mesma velocidade, que dava certo. Eu não tenho pensado muito em vc, acho que a mente tenta colocar os fatos dolorosos pra debaixo do tapete, e de vez em quando bate um vento, a aba levanta e a gente vê o que tem por baixo. É que foi tudo tão absurdo, a gente ficou sabendo mais de um mês depois, ninguém teve coragem de avisar, de divulgar as palavras trágicas, de dividir a dor. Eu não te via fazia muito, fiquei um tempão sem ir na oficina, ou porque não tinha carro, ou porque ainda não precisava, e ainda não acredito na história. Eu te vi ali do meu lado no caixa eletrônico do banco absolutamente vazio e vc estava com os cabelos ainda no ombro, aqueles cabelos tantas vezes longos, invejáveis por conta do brilho e do negror, cabelos que qualquer mulher daria a vida pra ter. Os mesmos olhos amigáveis, o mesmo sorriso que iluminava o dia mesmo quando apresentava notícia ruim, mesmo quando cheguei totalmente sem freio, sem pastilha, sem disco na oficina. A gente mal se conhecia mas talvez pelos nossos pais parecia que éramos amigos de infância, dava vontade de passar a tarde batendo papo, eu te contei tantas coisas, que ia pra Portugal e vc como bom "filho de" me avisou que os portugueses eram tapados, que tinham viseira impedindo a visão periférica, reclamei de trabalho, da vida, de tudo. E vc com aquele jeitão de sempre, na boa, falava de namorada, de literatura, enquanto analisava motor. Vc era um dos ursos que encontrei pelo caminho, alma boa, coração de ouro, gestos de gentleman. A gente teve o mesmo estudo mas vc optou por um trabalho mais braçal, talvez porque gostasse de consertar as coisas, de montar e remontar peças, de lidar com mecanismos, com coisas que podem ser arrumadas. Eu senti sua mão ali no cartão, ele finalmente passou e eu saí com lágrimas escorrendo por baixo dos óculos escuros, ainda não posso acreditar que foi vc que fez isso contigo mesmo, não posso

Ursos


Ursos são fofos, grandalhões, assustadores. Desde nossa mais tenra infância habitam nosso imaginário como objeto de desejo (quem nunca quis um ursinho de pelúcia?). Nunca me esqueço do filme O Urso de Jean Jacques Annaud, na minha adolescência, chorei feito uma condenada...

Embora animais selvagens, os ursos são na deles, não costumam atacar a não ser quando ameaçados, incomodados, quando têm seu território invadido, ou em caso de extrema fome. Aliás, a maioria dos ursos alimenta-se de insetos, frutos, peixes e pequenos animais. Não costumam caçar seres humanos.

Os ursos estimulam nossa vontade de abraçar, de apertar, mesmo porque somos várias vezes bombardeados com aquelas fotos em que reconhecemos gestos e atitudes tipicamente humanos. Mas aí é que mora o perigo. Apesar do tamanho, dos olhos dóceis e da aparência bonachona, são ágeis e certeiros no ataque: possuem garras enormes e afiadas, faro apurado, além de, é claro, incrível força física.

Conheci 04 ursos na minha vida:
um na família;
outro particularmente letal e traiçoeiro;
outro que sumiu do mundo de forma trágica;
e, bem...outro que não sei se tenho certeza absoluta ou conhecimento pleno para dizer se é realmente da espécie.

Pra ser honesta, é difícil ser imparcial, já que simpatizo bastante com os ursos: creio que devem ser ótimos cobertores não só de orelha, gosto do jeito manso que esconde a fera, aprecio me imaginar sumindo no pelo macio.


sexta-feira, 15 de maio de 2009

Gripe

Ficar fisicamente frágil.
Drogar-se.
Exigir que a mente e a vontade sejam ainda mais fortes para poder sustentar o corpo.
Odeio me sentir assim, porque nessas horas é difícil resistir ao desejo de me deixar.
São nesses momentos que sou tão acessível, tão fácil de ser subjugada.
Se ele me abraçasse, se me sustentasse, ou apenas tocasse meu rosto com a mão, não teria forças para resistir.
Mas seus olhos não atravessaram a névoa, não me viram por trás do véu da indiferença.

Ingenuidade

As pessoas acham que sou ingênua.Acham que porque sou na boa, às vezes polida, às vezes cuidadosa, não sou capaz de ver as coisas, que sou "contaminável", que quando estouro não é por mim. Eu sei muito bem o que faço. Me conheço bem demais para saber o quanto dar murro em ponta de faca é meu mote, o quanto sou teimosa, o quanto sou irascível, o quanto opto ou não pela crueldade. Aqueles que me acham ingênua são os que se deixam levar pela primeira impressão, o pela própria. Não sou gado, aí está a diferença. Não vivo em verdes prados mansamente.Talvez minha rebeldia seja ingênua então?
Uma das coisas que fazem parte do ofício do ator é compreender "as razões"(e não necessariamente justificar) do pior assassino. Ver as pessoas por trás das máscaras. Talvez haja em mim a ingenuidade de acreditar que as máscaras possam cair, que mesmo a mais forte couraça possa ser perfurada, minada. E o mundo não é assim, as pessoas não são assim, afinal. As pessoas não estão interessadas no que está a seu lado, no que está além da ponta do seu nariz, no que ultrapassa seu umbigo.
E por incrível que pareça, me preocupo com a saúde e bem-estar desses desgraçados.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Tango

Vamos cruzar as pernas, meu bem
Vamos fazer el ocho
Vamos deslizar pelo tablado
Vou enganchar seus joelhos com minhas pernas rendadas
Vou apoiar meu corpo sobre o teu
Espalme a mão na minha lombar
Pratique sua maleabilidade na minha cintura
Vamos alternar compassos, meu bem
Vamos riscar a madeira
Vou descobrir minha nuca
Vou arrastar mis tacones
Segure minha coxa contra seus quadris
Empurre meu rosto pra longe do teu
Me fira com seu punhal
Vou te sangrar com meus sussurros

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Tarde Demais

Você chegou tarde demais para
que eu não tivesse armadura
que eu não tivesse cicatrizes
que eu não tivesse celulite
você chegou tarde demais para
que eu fosse ainda inocente
que eu não fosse Frankenstein
que eu não me magoasse
que eu não entendesse suas razões
você chegou tarde demais para
que eu fosse criança
que eu tivesse coragem
que eu me entregasse
Você chegou tarde demais para
que eu tivesse a mesa posta
que eu tivesse a cama arrumada
que eu fosse só sua
Você chegou tarde demais para
que eu me servisse
de corpo e alma
na bandeja.

Cedo Demais

Você chegou cedo demais para
que eu tivesse escudo
que eu tivesse marcas
que eu tivesse quadris
você chegou cedo demais para
que eu não fosse inocente
que eu fosse inteira
que eu me magoasse
que eu entendesse suas razões
você chegou cedo demais para
que eu fosse madura
que eu tivesse coragem
que eu me entregasse
Você chegou cedo demais para
que eu tivesse a mesa posta
que eu tivesse a cama arrumada
que eu fosse só sua
Você chegou cedo demais para
que eu me servisse
de corpo e alma
na bandeja.

Retrato Falado (mais bobagens?)

Fiz um retrato falado de você na minha mente: 1,84, ou mais, visto me sentir assim pequenina. Não sei se gordo nem magro, do seu corpo só consigo visualizar as extensões: braços firmes (que imagino ao redor dos meus ombros?) terminando em mãos grandes, famintas. Abaixo da cintura fica difícil falar, baixo, ou melhor, levanto os olhos na linha do infinito cheios de pudor mudo(?) e rubror na face. Posso falar mais do rosto largo, dos lábios cheios de deboche. O nariz? Ah, não sei, tenho vergonha de olhar detalhadamente, de me aproximar sem cuidado e cair na armadilha dos olhos já rodeados de algumas ruguinhas, mas ainda assim de lince, ainda assim magnéticos, carcereiros.

Supermercado (filosofia besta)

As coisas que mais quero nem sempre estão disponíveis na prateleira. Quando estão, geralmente vêm com um preço muito mais alto do que posso pagar.
Volto pra casa, economizo por uns dias, passo fome, coloco moedas num porquinho imaginário.
Um dia volto confiante, quase orgulhosa da minha contenção.
Mas aí ou perderam o prazo de validade, ou foram retiradas de circulação, ou foram levadas por outra pessoa.

domingo, 3 de maio de 2009

O Cinto de (In)utilidades

Pequeno conto moral sem moralidade alguma
Gretel era a princesa do Reino da Carochinha, um reino distante, do distrito dos contos de fadas. Não era feia, nem tampouco bonita, o que, no seu caso, bem pouco importava, visto se tratar de quem se tratava, objeto de desejo em 09 entre 10 contos do gênero. Mas se tinha algo em que chamava atenção, era no gênio: ao contrário das companheiras de classe, Gretel era dotada de língua afiada, mau-humor dos diabos, atitude bélica e uma esquerda considerável. Batia qualquer homem, gigante ou dragão em qualquer embate.
Como era...princesa, chegou a época em que estava mais do que na idade de casar, ter filhos, virar rainha ou coisa que o valha. Sua fama era notória não só no reino mas também em outros, diariamente chegavam principes de todas as partes do mundo para desafiá-la em combate. Acabavam com um belo pontapé no traseiro!
Não pensem vocês que Gretel era bruxa disfarçada de princesa, Gretel era fundamentalmente doce, dada a paixões e sonhos tão bobos como quaisquer outros, só não tinha lá muita disposição para mesuras, delicadezas, belas palavras... Um dia...
Um dia estava Gretel sentada às margens do fosso do castelo, quando de surpresa chegou um mancebo em seu alazão.Não se fez de rogada, triscou os saltos do sapatinho de cristal no cascalho, ao que foi respondida com as esporas das botas sete léguas do donzelo.
Bom, se tinha uma coisa que Gretel havia aprendido nestes anos todos, era avaliar com competência seus oponentes: ali, não era o caso de puxar encrenca imediata, estava mais para um vale-tudo discreto. Isso feito, acordaram e assinaram os termos do combate e Gretel seguiu para dentro, tomou seu cinturão mágico, e passou a preenchê-lo com as seguintes armas:
- Luvas de boxe
-Arco e Flecha portátil (hum...Só aplicável em caso de pontaria certeira e Gretel estava meio destreinada, mas vá lá...)
-Tresoitão (Idem acima)
-Canivete suiço ( só para abordagem corpo-a-corpo)
-Casca de banana ( só no caso de contar com o elemento surpresa)
-Saco de areia ( no caso de precisar jogar sujo)
-Cápsula sublingual de cianureto (só no caso de abordagem MAIS corpo-a-corpo ainda)
Insatisfeita aproveitou o resto da noite para afiar unhas dos pés e mãos com lixa de aço, enquanto estudava a missiva e traçava mapas(naquele tempo regras de honra e blábláblá ditavam que o desafiante escolhesse o local do duelo).
Nas primeiras horas da manhã seguiu para o bosque.Andou por um dia.Por dois.Por três. Ao entardecer do quarto dia chegou à clareira indicada. Ali, há aproximadamente 10 metros, estava o inimigo. Entre eles estendia-se imenso leito de pétalas vermelhas.Gretel achou aquilo meio ridículo, será que pretendia desarmá-la entre risos, coitado? Well, sem mais delongas vamos ao que interessa, pensou, enquanto avançava descalça, esmagando com suas patas tão macia coberta. E eis que as flores maceradas liberavam perfume inebriante, sugando-lhe as forças. Já no meio do caminho pesavam-lhe demais o cinturão, as armas, ao que, após mais dois ou três passos estava largando-os ao chão. Afinal ainda tinha garras, deveriam lhe bastar.
Quando estava a centímetros do rosto não mais tão odiado(devido o cansaço), sentindo o bafo do outro entrar pelas narinas, procurando em vão alcançar ao menos as cápsulas (longe, longe...), desfaleceu. Não foi ao solo, amparada que foi por pás quase indestrutíveis.
E foi assim que Gretel e seu agora consorte viveram, felizes para sempre(?????), adotando práticas menos carnívoras e se alimentando de frutos silvestres.
FIM





Sentei ali na pedra fria pensando. Foi bom vir pra cá, me afastar. Livrar-me da estática, dos ruídos. Estar sozinha pra mim é conseguir pensar sem interferências, sem o barulho interno, mas principalmente sem o externo. Eu precisava ter ligado para aquela amiga que prometi, mas passei o final de semana com uma quase gripe curtindo muito minha cama, cobertores, minha gata, a casa com cheiro de mãe. Tive vontade louca de voltar em alguns momentos, de me enfiar de novo na poluição sonora, mas agora vejo que foi bom resistir. Sentei ali pra pensar, colocar a cabeça em ordem, avaliar opções, andamentos.
Sinto sim saudades de você, mesmo com suas cartas desaforadas, suas cobranças excessivas, com todas as coisas que entreguei nas suas mãos, muito mais do que eu podia dar, mesmo com sua insegurança irritante, com sua preguiça, sua acomodação, sua quase traição. Sinto saudades da sua bondade. Estou tentando ser boa, estou fazendo todas estas coisas há 04 anos tentando ser boa. Porque há 04 anos não suportava mais não gostar daquilo que tinha me tornado, mas sei também que mais de 03 anos em estado de quase total isolamento, dentro de uma cápsula úmida e escura, não me fizeram bem, me tornei ainda mais tímida, ainda mais anti-social, ainda mais medrosa. Talvez os sonhos não resistam afinal à realidade, embora tenha vivido seus sonhos muito mais do que os meus e tenha tido também calafrios e pesadelos diurnos, e escondido de você até se tornarem insustentáveis. E você está passando por isso agora, e tentando da mesma forma escapar à sua maneira, só que sua fuga necessita de companheira de viagem(que preciso avaliar se vou conseguir ser).
Estou tentando fazer as coisas certas dessa vez, só que sou assim bipartida, eu sempre quis coisas inimagináveis e quase impossíveis, eu sou a pessimista sonhadora, a eterna insatisfeita. Preciso de calma e tormenta ao mesmo tempo. A calma é boa, a tormenta deixa entrar o ruído, os silvos do vento, o uivo dos lobos. A tormenta me leva a pensar em paixões obscuras, em rotas de fuga, em dar abrigo a demônios.
Eu não quero precisar novamente de exorcismo.
O amor existe, está aqui, posso sentí-lo na saudade. Se eu me der paz.
Talvez seja simples assim, talvez eu não necessite de paixões avassaladoras e promessas criadas na minha cabeça, se elas me fazem tão mal, tão viva, mas tão mal.
Você vai voltar e vou te abraçar com doçura, você vai me obrigar a me alimentar direito, me proibir de ir trabalhar tão cedo, reforçar meu sistema imunológico, reconstruir meu abrigo anti-bombas.
Vou levantar agora, vou deixar a pedra em que já sentamos algumas vezes juntos, mas muito mais eu ocupei-a sozinha, vou escrever aquele e-mail com mais de três palavras que você me pediu, que estou te devendo faz dias.

Nina

Hoje acordei com o sol batendo no rosto, um sol fraquinho de outono, mas, ainda assim, O Sol, batendo no rosto. Em cima do peito os 03 ou 04 quilos do meu eterno bebê, da minha personagem de Greta Garbo. Enterrei de leve os dedos na cabeça macia, afagando-a, sentindo uma vontade doida de apertar sua pelúcia rajada.
Que bom seria poder acordar todos os dias assim, com algo que você ama e que te ama sem licenças ao lado, sentindo um coraçãozinho bater junto ao seu.
Trouxe-a para casa minúscula, a mais feinha, mais arrepiadinha, ninguém ia querer.Cresceu dormindo junto a meu corpo, na dobra do cotovelo, meu despertador de lambidas ásperas nas mãos. Nunca me arranhou, nunca precisou disputar lugar com ninguém, seja gente ou bicho. Acostumou-se a tomar água na torneira, quase alagou um apartamento, é arredia e rabugenta com estranhos, é possessiva.
Passei duas noites de insônia culpada quando foi castrada, deitada em concha ao redor do corpinho mole, ministrando água com açúcar através de seringa, refazendo curativo, desculpando-me.
É um ser que não preciso agradar, entende com perfeição meus silêncios... Mesmo quando a abandono, não uma, mas duas, três, várias vezes, encontro novamente seus olhos de mel, sua face de gato-bebê me recepcionando.
Quero levá-la para a nova casa, mesmo temporária, mesmo menor, mesmo mais fria, mesmo mais solitária. Preciso como nunca recuperar esse bem estar.

sábado, 2 de maio de 2009

"Me desculpe por eu ter tomado a iniciativa. Me desculpe por ter almoçado com você tantas vezes. Me desculpe por ter ligado. Me desculpe pela chuva que tomamos subindo a Augusta. Me desculpe por ter acreditado nos seus torpedos. Me desculpe por ter rido das suas piadas.
Me desculpe pelos machucados que sua ex deixou em você. Me desculpe por eu ter vindo logo atrás dela. Me desculpe por tentar entender seu silêncio. Me desculpe por ter dito “sim”. Me desculpe por ter gemido. Me desculpe por ter gozado na sua mão. Me desculpe por eu não ter usado máscara. Me desculpe por querer mais. Me desculpe por supor que você também quisesse mais. Me desculpe pelo que foi ruim. Me desculpe pelo que foi bom. Me desculpe por eu ter subestimado o que foi ruim e superestimado o que foi bom.
Me desculpe por eu ter tirado a roupa. Me desculpe por eu ter mostrado meu corpo. Me desculpe pela cinta-liga que eu comprei só para você. Me desculpe por, em algum momento, eu ter te amado. Me desculpe por, em algum momento, eu ter te achado bonito. Me desculpe por, em algum momento, eu ter acreditado que você era o homem da minha vida. Me desculpe pelos seus erros de português. Me desculpe pelos erros de português da sua nova namorada. Me desculpe pela sua nova namorada achar as margaridas flores menos nobres. Me desculpe pelos 130 km de congestionamento que eu atravessei para te ver. Me desculpe pela barata que eu tive de matar na sua cozinha. Me desculpe por eu ter permitido que você deixasse a TV ligada no jogo do Palmeiras enquanto nós transávamos. Me desculpe por eu ter acreditado que você compreendia meu olhar. Me desculpe por eu ter dito coisas lindas para você. Me desculpe por você não ter entendido um terço do que eu disse. Mas, sobretudo, me desculpe por pedir essas ridículas, inúteis e dolorosas desculpas. Que, naturalmente, não são para você. Afinal, porcos não reconhecem pérolas."
Stella Florence

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Assim é a Vida

"Olha pro céu Claribela!" veio assim a mamona-pedra com anúncio embutido bater na cabeça de Claribela, que nesse momento estava ali, observando uma trilha de formigas bem à frente dos pés. Era assim Claribela, sempre com as vistas para baixo, gostava de observar os seres da terra, formigas, minhocas, besouros e afins, numa busca pela compreensão de suas geometrias. Estava assim Claribela quando o projétil veio singrando os ares para atingir resoluto seu cucuruto, e logo estava de pescoço curvo ao contrário, os olhos imensos, quase jaboticabais, feridos pela força do sol a pino do meio dia. Alguns podem se perguntar se antes mesmo dessa ação não existiu uma certa torção para os lados, uma certa raiva curiosa em relação a seu algoz. Aí é preciso conhecer um pouco mais o que vai dentro de Claribela: tinha a personalidade mansa de boi de pasto, lenta e preguiçosa como as tardes de verão, destituída de maiores arroubos e grandes reações.


Vamos voltar agora à cena, agora que já demos tempo a Claribela de subir as mãos à fronte numa malfeita continência dupla, as jaboticabas já acostumadas à claridade. A boca adquiriu um aspecto de papa-moscas, o corpo parece tremer. Sim, porque é como se um mosquitinho qualquer tivesse picado suas entranhas, proporcionando como por milagre idéias de pouca inteligência, já que até este presente momento Claribela carecia um tanto de imaginação. Enquanto o veneno corre em suas veias provocando comichões, Claribela percebe que talvez o tapete azul sobre ela não será de todo estático, que promete minúsculos e quase imperceptíveis movimentos, e se pergunta que gênero de animaizinhos rastejantes podem ali viver. A cabeça dura de Claribela matuta durante esse dia todo, essa noite toda, e logo nas primeiras horas da manhã seguinte voa longe entre os capinzais, procurando modos e meios.


Primeiro, e diríamos acertadamente, escolheu as árvores. Claribela passou dias (e noites também) abraçada a seus troncos largos, a face contra a madeira áspera reconhecendo e familiarizando-se às reentrâncias. Quando bem crescida dentro de si a coragem, passou aos galhos, não sem muito esforço e alguns arranhões, visto tão enraizada que era. Aos poucos foi adquirindo segurança, passando a alturas mais ousadas, logo chegou às copas. E ali Claribela ficou.


Passava dias a colher com seus dedos gordos de infância o algodão das nuvens, a comer do bico de passarinhos, beber água de chuva e, quando chegava a fria madrugada, a cobrir-se de folhas verdes. Era, na sua pequenez, feliz assim.


Cada vez mais Claribela estava ausente. Não estava na praça, não estava na igreja, não estava na escola. Mas devo dizer que, infelizmente, não fazia falta: sempre fora a menina do canto da sala e ser filha de pais de sete filhos tornava-a quase inexistente. Chegou ao ponto em que mais ninguém lembrava-se dela, havia desaparecido de todas as memórias, havia mesmo nunca existido. A Claribela também não lhe fazia falta, tão bem alimentada estava.


Porém o Tempo, esse velho de barbas brancas, pés chatos e força de 400 cavalos, nem por isso deixou-a de lado. Passava diariamente para desejar-lhe bom dia. Passava também para desejar-lhe boa noite. E passou. E passou.


O peso da carne também. A pesar nos apoios cansados, Claribela tinha febres noturnas, ouvia vozes que lhe gritavam: "Desce, Claribela!". Inicialmente em seus devaneis alucinatórios pensou tratar-se das formigas, depois das minhocas, depois dos besouros, depois dos afins.


Um dia...(pausa poético-suspensiva)


Claribela desceu, casou, teve três filhos (anti-clímax).


E foi trabalhar como funcionária pública no Departamento de Pragas Urbanas da cidade.



FIM



Incendeia-me



Vem
Meenlaçacomseusbraçosrepletosda
saudadedoquenãoéenuncaserádevora
meussoluçoscomseuslábiosgravesme
estrangulacomasmãosnoponto
precisoondepeloencontrapeleinvada
meulabirintocomseuhálitoquenteme
passarasteirameespremaatéesvaziaros
pulmõesmeprovoqueasmamecubracom
gasolinabrinquecomisqueiromeprenda
ospulsoscontraatintabrancadaparede
metatueemcoresvivascomsuasunhase
presasmemastiguemedeixerotanosoloquevou desabrochar
e você vai me colher
e
vou me aninhar
de
mansinho,
algo

quebradiça


sob suas asas.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

NECESSIDADES II - Vastas emoções e pensamentos imperfeitos

Preciso parar com isso ou vou me apaixonar.
De novo.
Eu me conheço.
Conheço os sinais.
Estou me provocando diariamente.
Estou aproveitando meus momentos de liberdade condicional para testar limites do arco do violino, para andar sobre brasas.
Estou cortando a pele com folhas de papel e jogando sal grosso por cima.
Estou me entupindo de cafeína e tubos de confeitos multicores para que a injeção de glicose (talvez) mantenha minhas pernas firmes.
A garota cafémentossabotagem.
Vou deixar você invadir meu palco e roubar a cena (e vou deixar que me engula e odiá-lo e amá-lo ainda mais).
Eu sei onde isso vai dar.
Durmo com o corpo ardendo, a cabeça fomentando tempestades, acordo pensando no meu jardim.
Devia fazer uma horta, plantar margaridas.
Mas cavoco a terra semeando erva-daninha, arruda, pimenteira.

NECESSIDADES

Preciso parar de fumar, mas como? Fumar me faz esquecer as cãibras noturnas. Como vou dirigir? Vou voltar a fazer cálculos com placas? Devia voltar a correr mas preciso de alguém que me pegue pela mão e me leve pra pista, eu que sou disciplinada em caraminholas, em práticas auto-destrutivas, em cultivar câncer. Fumar me faz levantar a bunda da cadeira e dar voltas, não destruir paredes nem abrir pulsos, nem colocar a cabeça sobre a mesa e chorar baixinho. Como dar voltas sem uma ação secundária que me justifique?

terça-feira, 28 de abril de 2009

Escorpião

Mais uma noite insone, pra variar... Baita vontade de levantar, fumar, lembrei que não podia. Como deixei as coisas chegarem nesse ponto? Sou instável e devia ter aceito isso faz tempo. A estabilidade, mesmo a pseudo, me dá nos nervos, é uma amante desejada e ao mesmo tempo odiada. Minha vida sempre esteve em descompasso com minha pessoa, os tempos errados, sempre atrasados ou adiantados, "isso deveria ter acontecido uma semana antes", "aquilo deveria acontecer um mês depois de", sempre essas linhas de tempo paralelas, nunca convergentes.
Ok, tento levar numa boa, procurei equilibrar o tabuleiro algumas vezes às custas de sonhos descartados, de partes da minha personalidade mutiladas, em nome de sentimentos nobres e da minha exaustão. Quis o pão-pão queijo-queijo na mesa do dia esquecendo que adoro catchup, pimenta, mostarda; parei com as manobras arriscadas, tentei preservar a vida alheia. A minha pouco importa, estou procurando meios de ampliar meu lado oriental.
Nunca mais subi numa parede, fiz uma trilha, testei gravidade. Eu que não viro a cara quando a agulha penetra, que gosto de dormir com janelas abertas, que não me importo com arranhões e cicatrizes...De repente parece que cansei do jogo de gato-e-rato, deixei algemarem meu tornozelo aos móveis e cá estou com meus olhos de senpaku no prato de leite adiante, mais quente, mais docemente ilusório do que o que recebo. Nem provei nem sinto fome nesse momento exato, mas começo a roer minha pata, não pelo leite, mas pela antecipação do sabor, pela possibilidade de virar pratos. Fico tateando às cegas a procura de objetos pontiagudos para me ferir, sei que vou sair dessa manquitolando, mas sentir o gosto do sangue por si só me estimula. E no entanto vc está aí, em um ponto não tão distante do mapa e olho com pena o estrago que estou fazendo na cozinha...
Estamos prestes a ter uma casinha no alto da Serra, topei comprar cal, cimento, madeira, esvaziei novamente os bolsos, mas enquanto vejo as fundações se erguendo diante de mim, me afasto com vontade de rolar barranco abaixo. Ali tem um rio violento, caudaloso daqui. Tenho hipotermia e mesmo assim brinco com um pé no ar sobre o precipício, desejando mergulhar nos seus longos braços.
Ele vai ser brutal e tentar me afogar. Provavelmente vou me deixar levar pela sua paixão.
Me deito na caminha dura olhando o teto, queria dormir sob as estrelas, correr para a floresta negra e misteriosa, mesmo com a vegetação cortando solas e dedos, mesmo com os animais selvagens, que sempre foram afinal mais interessantes.
Se eu fizer isso vou voltar outra mas o que sempre fui. Estou errada, eu sei.Vou causar chagas profundas quando deveria ser cuidadosa, previdente. Mas é isso que me faz o que sou: humana, falha, imperfeita.

Laços

O que é um laço? Um laço é um engano construído, uma falsa verdade. O que importa é o que está por trás, a surpresa guardada, às vezes boa, às vezes oca. Um laço bem dado é aquele firme que esconde sua fragilidade, aquele que sob a pressão exata se desfaz em fita macia e sedosa nas mãos. Um laço pressupõe a ausência de nós, mas há aqueles que se desmancham revelando caroços gordos, obstáculos incômodos. Laços de pontas duplas revelam personalidades ambiciosas, mas de realizações aparentes.
Admiro os belos laços, carmins, azuis, solares; mas confesso ser incapaz de fazê-los. Os meus saem tortos, irregulares, o tecido amarfanhado.
O que me garante é o que vai dentro, não na superfície.

Alta velocidade

Sem repetições do mesmo bordão.Vou colocar sinceramente o que vinha pensando ontem, dirigindo a 110 na Dutra, com vontade de pisar muito mais fundo,vinha pensando em 03 ou 04 textos diferentes mas ao mesmo tempo de assuntos parelhos, minha cabeça as vezes funciona assim, meio chupar cana e assobiar ao mesmo tempo- ler, fazer bolo, ver TV, conversar, pintar - fico brincando de construir frases, ocupando a mente com joguinhos de palavras pra desocupar meu coração, pra botar pra fora essa quase raiva, essa vontade de experimentar cavalo de pau.Todo esse atordoamento precisa ser deslocado, mas pra onde? Precisei quem me puxasse a perna, torcesse os pés faz duas noites e não tinha ninguém ao lado, nenhum número pra discar, ninguém pra chutar. Se eu espremer minha cabeça no papel será mais um ato falho porque sendo algo palpável assim se perde e se acha com consequências perigosas.
Pensar em palavras evita o retrovisor onde vou encontrar meus olhos se rasgando.
É só não pensar naqueles olhos de bicho exausto , na minha vontade de lamber suas feridas.
Adelante...

P.da Vida

Me irritei, mudei de blog.Sou inconstante, sei, mas me recuso a ficar brigando pra postar. Então tive o displante de usar ctrl+c/ctrl+v, para tirar tudo de um para o outro, porque não conseguia migrar. Não está aqui para ser lido(mas quem tiver paciência...)


16/07/2008 -11:57- Ok, outra formação, outro diploma, finalmente um tempo para me dedicar ou pelo menos me centrar em uma direção só, botar o pé na estrada determinada a chegar naquela cidadezinha específica, deixando pra trás boa parte da bagagem, carregando apenas o essencial dentro de mim. E novamente me chamam por coisas que já foram, imagens desfocadas ou apenas vistas periféricamente.É sempre cíclico pra mim, tento montar no mapa uma linha reta com ponto de partida e chegada, mas os desvios sempre vão estar ali, e muitas vezes voltam a um ponto de partida ainda anterior, quase apagado na minha lembrança.Já devia saber que era assim, que vai ser sempre assim,eu sei, o que custa afinal é aceitar que não sou uma pessoa reta, sou redonda, ou pelo menos meu destino vai por vielas tortuosas metamorfoseadas em serpentes autofágicas.Eu que sempre repeti aquele lugar-comum de que a Arte é uma doença, algo que se infiltra nas suas entranhas, nas suas veias...Eu mesma que também tentei arrancar pedaços meus, tentei colocar vendas. Não tem jeito, é isso, pronto.Incrível que nos momentos mais difíceis da minha vida seja isso que me alimenta por fim, que me põe o pão na boca, que me sugere alternativas à mediocridade da minha vidinha. Porque estranho os sabores, modifiquei meu paladar e voltar aos mesmos gostos me parece retrocesso, mas talvez seja esta a saída em fim, porque é o que me fortalece, é meu maior desafio, é o que me faz esquecer do que deve e terá que ser dispensável pra mim.

17/10/2007 - 23:06-Eu era você, você era eu. Em algum momento isso se perdeu, somos hoje reflexos da chuva no chão imundo da cidade. Olha o rosto que te devolve o esgar deformado no espelho urbano e tenta sorrir. Parabéns, aí esta a verdade sem rodeios, a encruzilhada desvendada, o buraco fundo na boca do estômago. Nós nunca mais seremos iguais a nós mesmos.

23/06/2007 -17:56 Este é meu momento, ficção ou realidade, minha caixa de Pandora virtual. Aos incautos que acham possível me definir pelo simples olhar através destas frestas, vai o conselho de Dom Casmurro, o enigma de Capitu. Na balança em perfeito equilíbrio estão o prato de feijão, e o prato que se come de olhos vendados. Nem mesmo aquele com quem divido o travesseiro pode separar o real do irreal. Abreviações pensadas de modo a confundir, símbolos sem significados aparentes, códigos próprios sem publicação prévia. Como alguém poderia sobreviver a si mesmo do modo como escrevo?

22/06/2007 -13:53- Do quarto porão escuro a criada imaginava o pintor. Do pai, a lembrança no azulejo pintado. A pele alva queimada diariamente na água fervente das palavras secas. Esfrega, esfrega, esfrega. Na vida cotidiana, imagens são quadros que se formam na mente do pintor. A velha com a caixa de moedas na alma, o mecenas devasso decidindo sua vida. Prisões. Eram prisioneiros ambos em seus próprios mundos, intersecções para um mesmo mundo. Quando se encontraram através das grades invisíveis, para ela a descoberta tornou-se aprendizado, renascimento. Para ele, mais retratos de luz. Mas também maiores interferências, cadeiras e composições revistas. E palavras não ditas, toques distantes. Enquanto passava ela, a criada, do porão ao sótão, a casa também se movia: a menina cruel partia seu coração através da louça, as intrigas gritavam em seus ouvidos. Fúria e castigo do pintor. Mas era doce, e assim seguia. Esfrega, esfrega, esfrega. Depois mói, mói, mói pigmentos e óleos e cheiros diversos. Lá no fundo, tinha orgulho intocável de si mesma, dos seus cabelos cheios de pungente virgindade. Tanto é, que, a primeira vez que se desnudou, foi através dos cachos arruivados que lhe caíram pelos ombros, na sua timidez envergonhada que só o pintor viu. E o pintor viu também dentro dela os desejos mais profundos, mergulhando solitário nos seus olhos de água. Mais toques e era agora na película fina da pele do rosto, nos lábios mordidos e molhados pela saliva estrangulada na garganta, nos arfares e na dor física da agulha penetrando, violando, o brinco de pérola como gota masculina, promessas nunca , nunca mesmo feitas; frustração. E depois, outros abraços em outros braços no afã de saciar o desejo proibido, bobamente a inocência perdida, o amor pueril jogado ao vento, esfacelado pela percepção dela própria de que não, não era aquele o corpo no qual repousar seu dote mais valioso, agora perdido. No quadro está a verdade, o crime não cometido mas imaginado, a razão da fúria de uma mulher traída da pior forma possível, a confissão dos amantes inexistentes. Escândalo. E a criada então percebeu que as intersecções entre os mundos eram frágeis, apenas ilusórias ou particulares e possíveis dentro desta redoma em que viviam, mas não da roda maior que era sua volta, os canais, as convenções. Ela sabe que não haverá um adeus, mas que estará sempre viva dentro da tela. E ela sempre terá - lembrança do amante que não foi - a gota semente de orvalho úmida sobre nuvens matizadas em azul e amarelo. Moça com Brinco de Pérola

22/06/2007 -13:51- Eu não queria, mas aí vai...
CONTO: Todos os dias, mal raiava a manhã, a princesa sentava-se à beira de um riacho que corria junto a seu castelo. Agradecendo aos deuses com mantras sagrados, marcava com mirra histórias e desenhos nas pedras ribeirinhas. Era menina ainda, uma flor desabrochando, vermelho vivo com pistilhos dourados. Talvez justamente por este fato, deixava-se muitas vezes inebriar-se pelo perfume das rosas que cresciam ali; macerando cuidadosamente pétalas, pintava na testa um círculo rubro. Era brincadeira de criança, mas nem por isso destituída de propriedade: este terceiro olho abria-lhe portas, permitindo que adentrasse outros mundos.Tornava-se então, apenas imaginação. E leve, leve planava através destes portais , ora menina-vento quando viajava de um ponto a outro, ora menina-flor quando pousava em outros mundos. Lá, nestes confins sem fronteiras definidas, encontrava deuses brincando em seus jardins. Se as palavras às vezes lhe faltavam, não havia problema algum: estava em mundos de simbologia, bastavam olhares e gestos. O corpo-pluma, cheio de significados, por si só lhe servia de fala. Mas também estas fugas tinham regras próprias: ao final de cada dia devia retornar a tempo de apagar a última vela acesa do castelo, antes de recolher-se à cama. E assim passava os dias, e assim passaram-se anos. Certo dia, brincando no lombo do Deus-Elefante, deixou-se embalar por danças e sinetas, esquecendo da volta marcada. Chegou ao castelo já com a noite alta, e profundamente adormeceu. No dia seguinte, despertada pelo canto das lavadeiras e o ruído de tropéis galopando, correu a janela a tempo de ver o sol já alto.Embaixo, junto às aguas do riacho, um príncipe tocava guitarra. Desconhecendo o coração em saltos,correu para a beira do riacho.Ali os dois, príncipe e princesa, olharam-se demoradamente. Sorriram. Ela, enrubecida baixou os olhos. Um susto! Ao mirar as águas cristalinas num relance, percebeu que quem lhe fitava no reflexo do cristal líquido não era a menina-flor, mas sim uma mulher em luto.A flor ainda existia, mas jazia cravejada no decote. Desesperada, a princesa bateu com força os pés no chão, esperando impulso para alçar vôo. Nada. Estava enraizada à terra. Bateu, bateu e bateu, alçando também os braços em invocações. Mas sua voz havia mudado, os mantras tornavam-se estranhas canções. Teve ganas de chorar, mas lembrou-se da casta a qual pertencia, engoliu as lágrimas salgadas. E foi então que sentiu emergir dentro de si, como estes mistérios inexplicáveis, uma força que brotava do chão, da terra, de seu povo, seu país. Da poeira levantada pelos seus pés veio o cheiro das fogueiras festivas, do som que lhe saía pela boca vieram histórias de outras mulheres. E pela primeira vez a princesa percebeu que durante anos e anos havia estado tão longe de seu povo, perdida em mundos de sonho, como personagem de contos de fada. Neste dia a princesa desencantou-se, passou a escutar e transmitir as histórias de seu povo, aceitou de bom grado o príncipe como primeiro e último esposo, e viveram talvez felizes para sempre. Mas ninguém sabe que no forro do negro vestido ela carrega, escondido até hoje, o vivo vermelho sangue da flor-menina de outrora.

21/06/2007 - 14:52-Mais um ano se passou, ao e-mail que escrevi hoje vou provavelmente receber a resposta de que errei novamente a data, sou um desastre nisso, minhas agendas sempre foram para escrever pensamentos, para desenhos, nunca dei muita bola para calendário, para endereços e telefones escritos sim em pedacinhos de papel esparsos, perdidos em bolsos de calças. Você me perdoe, mas você também é assim, meu câncer, você continua sendo meu câncer, embora agora seja de pele, mais suave, eu agora cultivo um mais agressivo, daqueles que sofrem metastase e provocam feridas ou tumores horríveis. Você não, você está tatuado na minha pele apenas o contorno, faltou preencher com cores, eu sei, mas tive medo da dor, do arrependimento, fui completamente idiota. Hoje é seu dia, ou talvez daqui a 2 ou 6 dias, não importa, você deixou faz muito tempo de ser aquela música da Adriana Calcanhoto pra mim, mas você vai sempre ser aquele abraço de despedida de mocinho em filme, aquele gostinho doce que fica na boca depois da bala. Parabéns, adiantado, atrasado, correto.

20/06/2007 - 19:16- Vai parecer que o que vai abaixo é continuação do que vem a seguir, mas o tempo passou, bastante, mudou algumas coisas, a maioria não,só menos espaço para as ações práticas, mais para pensar bobagem. Juro que não quero ser pessimista, estou cansada de pessimismo! Também da problemática da cultura e educação diferentes, eu digo A, ele entende B, fico imaginando ao digitar as palavras que elas poderiam bem ser um martelo de desenho animado: quando ele lesse do lado de lá elas se transformariam, atravessariam a tela e entrariam na base da força na cabeça dura; cansada desta fase meio Penélope, este anti-herói que não avança, que se esconde debaixo de desculpas, de poréns, de elocubrações. Também dos vampiros que se achegam, que ficam rondando ávidos para sugar a pouca energia que tenho; tento ser delicada no "chega pra lá", mas parece que as pessoas hoje em dia não se tocam, querem que você esteja disponível pra tudo, esquecem que "Ei, eu também tenho problemas, sabia????? E não fico enchendo o saco de ninguém para resolvê-los". Uma vez alguém me disse que eu funcionava como mata-borrão espiritual, que absorvia essa negatividade, penso seriamente porque no momento não ouvi e não fechei de vez meu corpo. No meio deste cansaço, desta quase revolta, tenho às vezes uma vontade doida de chorar escandalosamente, porque ficam perdidos os e-mails que estou devendo pra uma amiga de colégio, fica faltando aquela ida ao teatro, some aquele livro que eu precisava de maneira urgente, fica aquela sensação de que não é isso, não é aqui. Não tenho tempo, preciso estudar, produzir, me preocupar com tantas outras ações diárias, por que este hiato sem fim para pensar bobagens, para variações pouco criativas sobre um mesmo tema? Abro caixas pensando na merda que é estar tudo ainda empacotado, meio desencontrado. Se eu montar de novo uma casa minha, vai ser a da vítima de incêndio, pedaços de lembranças perdidas, restos carbonizados, pensamentos dispersos, bonecas sem braços ou pernas, partes de um todo semi-desintegrado, tudo salvo às pressas. Quando isso acontece volto a cometer os mesmos erros, volto a incorporar a mulher de Ló, curvando vagarosamente o pescoço para trás sem temer o risco de tornar-me sal, embora não pareça tão terrível me desfazer no vento, ou derreter na chuva, mas existe uma certa dor nesta metamorfose formigante que arranca lascas; um dia não serei mais nada. O que se abre são de novo as gavetas, hoje foi uma carta que caiu na mão, uma carta de amor e despedida de 2º ou 3ºcolegial, não lembro se foi antes ou depois d´eu te magoar da forma mais perversa, P. Você riscou sua assinatura e reescreveu quase do mesmo jeito, não entendo até hoje a ação, porque não era mesmo pra ser anônima.Já escrevi aqui do nosso pacto, do cavalinho branco de plástico que ainda guardo, já tentei te procurar em orkut, já passei mico escrevendo pra mulher de ex-namorado pra tentar te achar; e nada. Você sumiu no mapa deste imenso mundo.E neste momento, que dura já mais de um ano, porque até então estive sempre enlouquecida com o agora e o amanhã, sou absolutamente relapsa com as amizades, de repente veio essa urgência.Queria tanto te rever que até dói, sinto que se te encontrasse seria muito fácil falar de novo sobre o que vai aqui dentro, como antes. E não se trata daquela ilusão de tentar recuperar uma amizade antiga, porque você sabe mais do que ninguém que não sou do tipo que acredita nisso, acredito na mudança, na construção de uma pessoa com perdas e ganhos e danos que a transformam diariamente em outra. Talvez eu queira re-conhecer em você aquilo que eu era, que não me lembro exatamente a não ser por imagens meio desbotadas de fotografia mental. Será que depois de tantos pecados, no olhar ainda estaria a mesma ingenuidade "adolescentemente" pessimista das nossas conversas? Sua imagem impressa em mim é a dos cachos quase loiros, talvez agora você os tenha rentes, vivos apenas na lembrança de um filho. Irônico como praticamente todos os meus amigos homens são pais, as mulheres já não, que geração estranhamente exemplar... E mesmo com tudo isso, mesmo remoendo constantemente esta ladainha, tenho certeza da inutilidade deste propósito. Porque nós não desenvolvemos nenhum tipo de telepatia, foi sempre mais uma "construção de castelos na praia", dividindo amenidades tão importantes às 6:30 da manhã, o conteúdo da lancheira, um banco no Ibirapuera, a calçada da Paulista. Foi sempre tão palpável e tão profundo ao mesmo tempo, só que sem este elo místico que nos jogaria um contra o outro num cruzamento do destino, esbarrão numa virada de esquina.Ou talvez não, talvez você também neste exato segundo pense em mim, mas meu nome é fácil de achar, sempre foi. Saudades e caracóis.

10/04/2007 - 20:02 - Foi pra ajudar alguém...Eu me disse e justifiquei assim ir mexer no ninho de marimbondos. O papel, por incrível que pareça, até me caiu rápido na mão, estava por cima, talvez por uma destas benevolências do destino, não seria necessário remexer papelada e aguçar curiosidade, entupir as narinas com pó, ir dormir à 1h pra acordar às 5h, nada disso. Mas a gente é cruel consigo mesmo, isso é inerente, e quando abre uma gaveta não é em si a gaveta que estamos abrindo, mas sim compartimentos, arrombando cadeados, e tinha tanta coisa esquecida no meio da poeira, tantas traças vorazes deixando espaços não preenchidos. Eu tinha esquecido muito mais do que imaginava. Um primeiro cartaz(acho que foi o Fred ou o Tatá que fizeram); uma poesia de anos depois ofertada por um aluno; redações agora bem ingênuas; croquis de um figurino que nunca foi possível, coisas do tipo; que vieram acrescidas de outras coisas ,estas imateriais como a sensação do pic-nic no ensaio de sábado, a visão do sangue espirrando no caderno, gosto de chá mate quente, depois mais adiante a lembrança de como eu admirava as mãos daquele ator, como eu fui idiota tantas vezes, como fui feliz e nem sabia tantas outras, a lembrança do olhar daquele ator. Olhos de inferno interior. E eu também tive estes olhos, me diziam, eu ainda tenho mas agora são melancólicos.Hoje foi a segunda pessoa a me analisar e dizer que sou didática, que levo jeito pra coisa, que puxo o público pra mim mas falta um sorriso, e as pessoas que não me conhecem nem um pouco, ao menos três me definiram como uma pessoa triste. E como eu posso explicar que nunca sorri de boca aberta, meu sorriso é tímido ou sarcástico ou irônico embora eu já tenha feito comédia um dia...? E tudo porque fui ajudar alguém.

02/03/2007 - 01:08- Dessa vez foi quase demais, eu vim e fui de novo, passei Natal, Ano Novo, só acréscimo de saudades sem possibilidade de minorar dores, só vontade de chutar tudo de novo pro alto, mas eu sei como sou teimosa, a teimosia em mim é imensamente maior que o bom senso ou talvez o bom senso tenha afinal virado teimosia, já não sei mais.Muita coisa vai mal, outras nem tanto, outras bem. Continuo tendo certeza hoje pra duvidar amanhã, esta minha paralisia é muito mais cerebral do que qualquer outra coisa, eu sei, mas eu nunca fui muito objetiva mesmo, já dizia você, T.,você era sábio demais e eu acho que no fundo no fundo eu não botava uma fé...Sinto saudades de vc também. Queria ter um milhão agora na minha mão pra te pagar tudo o que fiquei devendo, com juros e correção.Ia pegar um carro, a estrada, ia bater no teu abrigo, invadir tua casa pacífica pra acertar as contas afinal.Embora vc não tenha sido tão eficiente no final das contas... Caramba! E por que, vc pode me explicar, a saudade maior é a mais recente, a mais presente, sempre? (Este foi um ensinamento que a gente não discutiu).O telefone que continua me trazendo angústia, esta sensação de que esta novela não está sendo bem campeã de audiência mas ainda assim a emissora insiste em manter no ar, em alongar, em tornar quase um melodrama mexicano desgastado que um dia vai simplesmente cair no esquecimento. Mais de 200 capítulos é muito, e já estamos chegando aos 900...Não há mocinha que agüente, não há galã que sobreviva. E no entanto nós(agora é só entre nós, meu querido, sem qualquer ajuda externa, sem qualquer opinião profissional) sobrevivemos, não é? Nós sobrevivemos de uma forma tão distante, eu nunca sei o que vc vai estar pensando amanhã, porque o que vc me diz hoje pelo bocal vem distorcido, ou vc, como eu, tb me dá certezas hoje que amanhã volta a duvidar, me dá nós de marinheiro e eu realmente não fui nunca escoteira(bandeirante, na verdade).Mesmo assim vou de novo rezar por vc, como todas as noites, como todos os dias, vou rezar pra vc subir a torre, mesmo meus cabelos sendo curtos demais, eu sei.

05/10/2006 -13:04- A moça mais linda da Terra
Subiu no ônibus sem chamar nenhuma atenção, as roupas escuras, jeito tímido.Era bonita, mas não para o padrão nacional(daquele país principalmente): os cabelos negros encaracolados imensos; nariz aquilino; rosto fino e óculos de armação de metal.Sentou ali quase imperceptível. Em uma dada hora levantou para dar lugar a uma senhorinha. Em pé, próxima a porta de saída, começou a cantarolar uma melodia qualquer bem baixinho.Aos poucos foi surgindo um sorriso, na medida em que aumentava também o volume. As pessoas começaram a olhar com estranheza, achavam talvez que ia fazer uma performance, afinal este tipo de coisa é mais permitido quando se é atriz ou adolescente(e eu fiz, na minha adolescência?).Mas ela não notava, estava encerrada no próprio mundo, os olhos com um brilho distante.Os óculos desapareceram na bolsa, um xale nos ombros surgiu. E foi assim que desceu, outra: os passos seguros, os cabelos leoninos esvoaçando, os sons melodiosos se mesclando com os do trânsito. Enchendo de luz a tarde da cidade cinzenta.

15/09/2006 11:16- Pela janela do carro...
Eu vi as duas meninas brincando. Uma loira, outra negra.Lindas.Com a beleza que só a infancia dá, desrespeitando "credo, cor e condição social". Debaixo do viaduto subiam com dificuldade o morro de terra e escorregavam sobre calotas enferrujadas. Lembrei da minha infancia, no sitio, eu e meu irmão fazendo esquibunda no barranquinho, em cima de caixas de papelão. A gente brincava também de carrinho com o carro de pedreiro, explodia formigueiro (politicamente incorreto, eu sei). Vendo as duas crianças, me bateu vontade de praia. O ser humano cultiva hábitos: dois anos quase fora do emprego e a "Sindrome de Nordeste" ainda bate nesta época.Dois anos também, quase, sem mar. Eu que tenho certo medo de água, sinto uma falta física de maresia. Voltando às meninas, que pena que depois dos trinta certas coisas se tornam socialmente proibidas...Me fez bem o riso gostoso, a visão das calças absolutamente imundas. Hoje eu traduzo esta alegria em camisetas que vendem bem, obrigada, mas me pergunto se eu não sou a bonequinha de cara amarrada.

12/08/2006 - 13:20 - Não dá vontade. A saudade dói de uma forma alucinante, à noite é ainda pior. Tenho medo de telefonema, a voz que devia trazer alegria me enche de angustia, da sensação de sem-chão. Demorou pra voltar de vez, nos primeiros dias foi dificil não trocar o obrigada pelo Gracias, vinha automático, é incrível como a gente se acostuma...Eu me pergunto: será que este é o caminho certo? Antes de cada telefonema, antes de cada idéia, antes de cada decisão. Eu não era tão indecisa assim.Na beira da cama tem São Jorge, Nossa Senhora, Santo Expedito, na mão esquerda a aliança de mentirinha que já marcou a pele com seu peso. Não precisava vir com o pedido na última noite, foi cruel de certa forma, eu não acredito nisso, nunca acreditei em oficializar as coisas, um papel não vale nada, mas foi quase sádico, se não fosse masoquista, pedir assim nas poucas horas restantes (porque eu sei que ele acredita no papel). Minha gata me reconheceu, desceu correndo as escadas, veio até minhas pernas, me recebeu com o coração aberto. Talvez eu não tenha sido uma dona tão má...Queria ter a mesma sensação ao falar com as pessoas, com os amigos que não via a tempos, com as possibilidades de auxilio profissional, mas ainda fica aquela sensação de que não é aqui, esse não é o lugar. Fui na amiga cartomante, pra piorar ela disse que tava dificil, que além de tudo eu ia entrar no inferno astral, eu tinha até esquecido do fato, que as coisas só melhoravam no final do ano, que nem na numerologia dava pra ver um fiozinho de luz.Pois é, eu fiquei agradecida com a sinceridade, ela não é dessas que diz que tudo vai melhorar, que doura a pílula, que diz que vai aparecer o principe encantado, você vai ganhar na loteria, vai ser feliz o resto da vida. Não, ela é honesta. Até demais. Não sei, aqui as pessoas parecem tão desanimadas neste momento... Eu absorvo isso também. Se tivesse condições ia pra praia ficar uns dias, pisar areia, molhar os pés na água do mar.Foram quase dois anos sem isso. Mas eu ia me sentir desprezível, eu sei.

24/07/2006 - 18:30- Passagem na mao, estou voltando pra casa da minha infancia(afinal eu tive alguma realmente minha?).esperava sentir um pouco mais de alivio, mas tenho na minha frente a bocarra aberta do medo salivando, nas costas o peso imenso da culpa.E essa sensaçao de tiro no pe.Me vejo como um cartoon procurando os buracos.Isso nao é novidade, quantos ja dei nessa vida?A diferença é que a pontaria era ruim.A gente se aprimora ate (principalmente?)nas piores coisas...Quantas passagens reservei,mudei, comprei, perdi, nestes ultimos dois anos?Fora deixar loucos os agentes de viagem,eu poderia ao menos ter aproveitado um destes programas de milhagem. Dei mais de metade das minhas roupas, nao só pela bondade, nao só para abrir espaços na mala, mas tambem para abrir espaços internos que me permitam respirar. As roupas guardam cheiros imperceptiveis ao olfato comum, guardam lembranças simbolicas que me amortecem, costuras que incomodam. Vai haver a despedida de praxe, o " até......." com uma lacuna abismal que nao sei quando, como e se sera preenchida.Ja tive outras historias nao perfeitamente acabadas (nao sou boa em pontuaçao), mas essa é a mais inacabada de todas.Isso sempre tem um preço, me pergunto se desta vez meus parcos recursos alcaçam o valor.Sei que quando me sentir bem destruida uns poucos bons amigos, e minha mae, e meu pai, e talvez um dos meus irmaos, um deles vai dizer: "Voce nao pode dizer que nao tentou". Nao mesmo? A tentativa minoriza o fracasso?Tenho consciencia do trabalho, do curso que queria fazer, das viagens,dos sonhos, da casa que queria comprar, do tempo gasto, de todas estas pequeninas coisas das quais abri mao; de todos os fatores externos e condiçoes nao favoraveis, mas isso tudo nao diminui esta sensaçao.Olho novamente pros pes. Vou entrar na sala de embarque olhando pro chao.Vou pisar na soleira da porta olhando pro chao.E so vou pedir a Deus uma coisa (fora que voce se cuide, que nao fique doente, que voce nao se amargue nem se deprima,que sobreviva,que voce coma e nao aumente o cigarro, que voce seja feliz e nao fique no escuro, que voce se agasalhe e nao deixe de ir ao medico). Vou pedir a Deus que ao menos um dos meus gatos me reconheça.Se nenhum deles me roçar as pernas quando eu entrar em casa, acho que vou morrer.

A multidao nao era nem um terço do que os jornais do dia seguinte afirmaram.Mesmo assim assustava pelo antepasso ao fanatismo. Bracinhos acima no movimento reto a partir do cotovelo como o comercial da Coca-cola.Palmas sem razao a todo momento(que mania nacional idiota!!!!).Hino cantado numa letra infantil a plenos pulmoes.Logico que o esperto "comerciante" de velas oportunista nao podia faltar. Num dado momento, observando as caras ao redor veio a constataçao: 70% eram mulheres na faixa de 40 a 60, com cabelos armados em laque ou submetidos a horas de escova no salao, maquiagem pesada, perfume frances, roupa impecavelmente escolhida-tudo confirmava que nao era mesmo gente que vinha do trabalho, mas sim gente que se "produziu" especialmente pra ocasiao. E as maozinhas da Coca-cola alçadas junto ao bordao "Justicia!Justicia!Justicia!" sem nem se importar com o fato de encobrir a voz do homem que dizia coisas realmente importantes em cima do palanque improvisado. Pensei no altar que criaram no meio da calçada pro menino morto da outra cidade que ninguem aqui conhecia. Nao deu pra suportar, sai xingando na minha lingua mesmo, revoltada com tanta hipocrisia. No dia seguinte, espantosamente( sera?), a policia anunciou a captura do atirador.Era um rapaz de classe media alta, vizinho de poucas quadras, como o filho de qualquer uma que esteve presente. Desta vez o governo acertou: este caso nao era de segurança publica. Nao. Era uma prova da fragilidade etica, moral e mental que atravessa a sociedade. A peruada nem atinou. Mas ontem, nao teve a coragem, cara-de-pau ou interesse de comparecer a segunda manifestaçao.

13/07/2006 - 15:20- Uma semana quase de cama devia mudar a perspectiva em relaçao a vida.Nem sempre. Fica um pouco da sensaçao de perda de tempo.E enquanto isso hoje faz tambem uma semana que um cara disparou em seis pessoas a troco de nada na esquina de casa, matou um, fugiu e ninguem sabe quem é.O clima é horrivel, a gente sai na rua com a sensaçao de estar dentro de "enlatado" americano.

03/07/2006 - 13:57-"O passado nao resiste a uma so mirada atras."
A literatura, o cinema, a vida: todos parecem cheios de exemplos que comprovem.Eu mesma ja falei disso. Mas a educaçao é cristã e se torna impossivel nao vestir a personagem biblica que vira estatua de sal. O sal, que tem tambem uma simbologia de cura e limpeza, penetra nas feridas abertas, e queima.Arde no peito. É quase impraticavel nao sentir saudades, essa palavra unica da nossa lingua. A gente sente saudades de objetos, pessoas, fatos, sentimentos, por mais despreendido que seja. Eu sinto saudades de pessoas que passaram, mas principalmente de mim mesma. Sinto saudades da epoca em que possuia mais inocencia, mais sonhos, mais paixao. Desta menina de tres ou quatro anos que na foto levanta o vestido, da moleca sem camisa correndo na rua, da adolescente de longos cabelos hennados dormindo num onibus rumo ao Uruguay. Falta da lancheira com cha na garrafa termica, sanduiche de presunto e queijo no pao de centeio dividido no recreio. Falta de correr os 100 e 400 metros com febre pra ganhar o abraço do professor de ciencias que era o preferido, do chocolate "lolo" que ganhei antes da prova bimestral.Falta dos meus melhores amigos homens(principalmente aquele que foi estudar em outro estado e me deu o cavalo branco de plastico), das minhas amigas doidinhas e tao diferentes entre si. Falta da garota que achava lindo bater a porta do namorado encharcada pela chuva, que adorava o cheiro da agua caindo sobre o chao quente, que chorava abraçada ao cachorro.Falta da estudante de Teatro que admirava os olhos e as maos daquele ator, que aceitava cinco papeis ao mesmo tempo achando que dava conta, que sobrevivia de pingado e sonho-de-valsa. Pra onde foi tudo isso? Pra onde foi essa pessoa? Sei de cada momento em que matei uma destas partes, mas nao de quais matei a cada momento. Ha seis meses atras reencontrei uma amiga de colegio que nao via ha quinze anos ou mais. Achei ela igual.Me espantou mais o fato DELA dizer que eu estava a mesma. Nao estou igual. olho no espelho e vejo outra pessoa, com traços externos mas principalmente internos que desconheço. As mais profundas rugas estao dentro.Quem é essa que me devolve o olhar pelo vidro, esse olhar que nao é mais o meu? É de outra. Penso na perda que proporciono ao homem que esta a meu lado: ele merecia ter se apaixonado pela que fui outrora. Como pôde ele se apaixonar por essa que sou agora?

29/06/2006 -16:12- Ha um ano e meio atras um ano era pouco; ha oito meses era demais; ha seis meses dois anos era pouco; ha quinze dias seis meses era muito; ha uma semana um mes é demais.

27/06/2006 14:37- " Os nativos de Cancer sao instaveis no humor, extremamente instintivos, territoriais e fieis..."As mesmas palavras, se levadas para um aspecto negativo, podem se aplicar a enfermidade homonima. Voce é meu cancer. Ha quanto nos conhecemos? Mais de dez anos e voce é ciclico e recorrente em anos ora meses, em meses ora anos. Voce me ensinou a acreditar em almas gemeas e eu fechei portas a possibilidades agora impossiveis. Voce embaralha mas nao distribui as cartas, num acordo tacito que fizemos de nao despejar o jogo sobre a mesa aceitando ambos a condiçao de elementos que orbitam num mesmo universo e que eventualmente se roçam, se chocam, tiram-se lascas. Voce é a brecha que entra no espaço entre este agora mesmo momento meu prestes a finalizar e o impulso do proximo passo. Voce chega do nada com palavras que se terminam em interrogaçoes e reticencias que me penetram, criam raizes, me consomem. E eu? Pra voce sou o antigeno, a radiaçao,ou a doença propriamente dita?

26/06/2006 15:04- O Jogo dos hermanos
Nao entendo nada de futebol.Mas se torna impossivel nao falar disso estando aqui.Pensava ingenuamente que os brasileiros eram os mais fanaticos, mas so vivendo na Argentina se percebe que aqui é MUITO pior.Algumas provas: como aqui nao existe uma Globo que monopoliza as transmissoes e a grade é beeemmmm maleavel, existem pelo menos meia duzia de canais em que praticamente TUDO gira em torno do futebol: passam 10 vezes a mesma entrevista com o mesmo jogador;20 vezes os mesmos comentarios;50 vezes os mesmos treinos bobos de passe de bola;80 vezes os replays de jogos antigos;100 vezes os replays dos gols atuais.Somente um programa de TV, NAO ESPORTIVO, levou 46 pessoas a Alemanha.Imaginem os que sao da area.Cerca de 300 barra-bravas (quem nao sabe o que é, vide mancha verde e gavioes)foram pra la nao se sabe bancados por quem; umas 150 celebridades vao e voltam constantemente; apenas um dos jogadores levou 22 familiares ( a media entre os jogadores é de 8, façam as contas multiplicado por 23, fora corpo tecnico, etc etc)Nao é pra menos que a Alemanha "se vestiu de celeste e branco". A venda de plasmas subiu mais de 80%; nao existe um comercial de TV, radio ou cinema que nao faça alusao a Copa.E aqui devo reconhecer, eles tem uns muito bons, o unico problema é que invariavelmente, pregam claramente o odio ao Brasil. a impressao que se tem é que a Copa é formada por apenas duas seleçoes, e nao 32.No futebol, o Brasil é mais odiado do que a Inglaterra, pra se ter uma ideia. Da medo ver jogo do Brasil, sou obrigada a ver em algum cafe(todos compraram ou locaram plasmas), porque nao temos TV; voce tem que torcer baixinho porque os olhares sao de furia, corre o risco do graçom cuspir no seu cafe. Sim, eles sofrem como qualquer brasileiro, mas pelo outro time, nao importa qual. Em alguns cafes vc precisa pedir pra colocar no jogo, porque o dono nao quer ver os do Brasil. Se vc for escandaloso, é melhor ir a um bar de brasileiro, mais seguro. A maior diferença entre torcedores brasileiros e argentinos é que a gente xinga o time, o tecnico, reclama dos jogadores, do Ronaldo (que pra mim é mesmo fim de carreira). Os argentinos nao. Podem ate dizer que o jogador nao ta rendendo muito, mas é so a bola cair no pe do cara, começam a dizer " Que genio!" Cada vitoria é comemorada como se fosse ja a Final, sim, eles tambem param tudo. O engraçado é que estao sempre dois jogos adiantados: antes de pegar a Holanda ja estavam falando do jogo com o Mexico; antes do Mexico , do com a Alemanha; agora ja estao especulando sobre a semifinal... Tenho que reconhecer, na minha santa ignorancia, acho que os caras sao dos poucos que estao jogando alguma coisa nesta Copa, alem de admirar a humildade contrastante (em relaçao aos torcedores) dos jogadores, mas o exagero é demais. Vou ser sincera: ate torço pro Brasil, mas tambem pra Portugal (prefiro o Felipao que o Parreira), a Italia sempre foi do coraçao(embora esteja uma merda), e pros africanos. Foi pena mais nenhuma seleçao deste continente passar.Sim, desculpem, mas eu torço pra Ghana. Alias, a cobertura dos jogos das seleçoes africanas aqui é um capitulo a parte.Alguem ja reparou que a seleçao argentina é uma das poucas que nao tem nenhum jogador negro? Os caras aqui sao absolutamente escrotos, ouvi coisas do tipo: fulano pega a bola e sai correndo como se voltasse a selva.Jogam como animais livres da jaula.Tem que se ter cuidado porque todos os africanos praticam magia negra...E por ai vai.É de vomitar. Outra coisa que pouca gente sabe (fora os argentinos, logico) é que a Final da Copa cai no dia da Independencia Argentina. Se os caras chegarem la, quem aposta comigo que o Kishner nao vai fazer uma festa com teloes na Plaza de Mayo ou no Obelisco? Embora aparentemente desinteressado por futebol, o ato do dia 25 de Maio ja foi uma previa do que vai ser, duvido que ele nao aproveite a oportunidade. E dizem que o Lula é que esta se aproveitando da Copa...

Preciso de paz interior.Preciso do silencio da casa vazia, dos moveis como figuras atonitas num museu de cera, da televisao que nao fala, do radio que nao canta.Preciso tapar os ouvidos para deixar de fora a voz alheia, para entao procurar silenciar os pensamentos que gritam dentro. Preciso isolar o ruido externo, a chuva que pinga no telhado, o gato infeliz do andar de cima, a criança que chora, a interferencia sonora que me chega pelas paredes, que avança inexoravel pelas camadas de concreto e vidro, que gruda como cola sobre a tinta, que se estampa em formulas invisiveis que so eu posso sentir, ver, quando passo de um comodo a outro, incriçoes em letras garrafais como crostas, pedidos de ajuda inconscientes da cidade que transborda, monstro faminto que quer entrar. Preciso silenciar as buzinas, campainhas, batidas na porta.Preciso mentalmente tapar a boca do companheiro ao lado, um transeunte que passou e se quedou sem que eu percebesse, foi enchendo a casa de malas, de sons que nao deviam estar ali, de sonhos a dividir que nao sao meus, de palavras que eu procuro distorcer no dial dos meus timpanos ate que se partam, se quebrem em cacos de espelho que rebatam as articulaçoes e balbucios enervantes, formando escudos que me permitam gozar do meu vazio, do meu mutismo ordenado e tranquilo, da minha solidao plena e constante, do meu universo em super-nova mais ainda vago, escuro, limpo e desinfectado dos sons.Preciso da ausencia, do nada alvinegro a explodir dentro de mim, da sensaçao de pressao que tampa os orificios num voo muito longo, mais acima, mais alem.Onde eu possa ouvir apenas a circulaçao da vida, o bater do coraçao, o mutismo das memorias e o silencio meu, o silencio interno, de portas fechadas, da minha paz e solidao.

14/06/2006 15:16- Faz seculos que nao escrevo. Nao por falta de ganas. Pura falta de tempo. Puro cansaço. Me desanima vir aqui gastar 3 ou 4 pesos para teclar sem acento, ou seja, mal. Dois sonhos recorrentes que nao sao bem sonhos pois me vem no estagio anterior ao dormir: No primeiro, fecho os olhos e sempre me vejo correndo numa estrada sem fim, com um pulmao que meu atual condicionamento fisico nunca permitiria. A estrada é cinza, a terra, batida, cinza.As laterais mais altas, sao cobertas de arvores de finos troncos negros, frondosas copas laranja, marrom, vermelho.As folhas sao tantas que nao se ve nada acima, o ceu esta encoberto e o sol se filtra entre as folhas lhes dando um tom dourado.Mas a estrada é cinza, meu abrigo é cinza, eu sou cinza.E corro, sem parar.Parece um destes cartoes com fotografia em branco e preto em que um detalhe vem colorido (como uma maça vermelha, por exemplo). O segundo vem sempre quando deito de bruços.Meu corpo é uma sombra negra, em volta da qual se desenha a silhueta com uma fita branca, como as cenas de crime de filme policial. Mas o braço direito parece se mexer lentamente num angulo irreal e aproxima-se da cabeça com um revolver na mao. Significados? Nunca fiz terapia junguiana, talvez eu esteja morta nos dois, nao sei.

30/05/2006 16:54- Don´t cry for me Argentina
Nao chores por mim Argentina
Porque eu nao chorarei por ti. Nao chorarei pelos seu negociantes "truchos" e politicos corruptos;
Pelos seus bloqueios as papeleiras uruguaias que seriam validos nao fossem as razoes economicas, a sua maquina "burrocratica" e principal banco que acumulam toneladas de papel inutil, seus rios imundos continuarem sem cuidado, suas "ativistas" rainhas do carnaval serem a capa da proxima revista masculina (isto nao lembra algo?);
Nao chorarei pelos seus decretos para a regularizaçao de imigrantes levados a cabo somente apos a queima de oficinas ilegais e morte de uns tantos trabalhadores;
Pela mesma lei que continuara a impor os mesmos subtrabalhos miseraveis e mal pagos aos bolivianos e paraguaios, com a diferença de que agora sim uma parte de seu salario ira para os cofres publicos, tornando-os "cidadaos de bem" mas nao tirando a alcunha duplamente preconceituosa de "Negros";
Nao chorarei pelos seus lideres piqueteiros que transformaram a ideologia em mais um produto de venda turistica aos ricos europeus;
Pelos seus lideres comunitarios que servem gratuitamente subalimentos de pessima qualidade envoltos em planfletos eleitoreiros enquanto saem nas colunas socias comendo canapes abraçados a figuras futeis;
Nao chorarei pelo seu patriotismo azul e branco enchendo a Plaza de Mayo em troca de choripan, churro, chocolate quente e 150 pesos de adiantamento salarial que depois sera descontado em suaves parcelas na folha de pagamento, Nao chorarei por sua crença no futuro depositada em uma dolescencia vazia e endinheirada cuja maior diversao da moda é "pegar" e matar outros companheiros e sair incolumes de julgamentos arranjados, porque " é demais a adrenalina" (segundo declaraçao feita em revista daqui);
Por suas adolescentes colecionadoras de celulares e ipods que fecham as ruas para protestar contra a perda de uma viagem a Bariloche mas nao contra uma educaçao falida;
Pelos universitarios que sim, o fazem, mas sem propostas e pelo prazer de ver sangue e mais pancadaria;
Nao chorarei por suas diminutas meninas de grandes olhos e cabelos negros que se submetem a intervençoes cirurgicas para se tranformarem em peitudas barbies loiras;
Nao chorarei pela sua flexibilidade legal que possibilita aos apresentadores televisivos ganhar ibope e dinheiro as custas de crianças nao mais tao ingenuas e do abuso a dignidade humana;
Nao chorarei por seus policiais violentos que apontam a arma para qualquer um na rua ou saem disparando no meio da multidao para "evitar o tumulto"(??????);
Nao chorarei pela sua idolatria a esportistas decadentes( pode um filme chamado "Amando a Maradona"?) ou exportados (viva! Ele esta indo pro exterior, mas é Argentino!)
Talvez eu chore por seus tangos cheios de uma pureza que ninguem mais ouve, pelo sorriso do menino que pede moedas na esquina.

O advogado me olhou enquanto se abaixava para pegar a pasta, com seu sorriso de "¿ Que le parece?". Devolvi com minha melhor cara de " ¿ Que le puedo decir, doctor?" Este pais me fez mais mal que bem, me deixou com mais fios brancos, mais rugas, dentes mais frageis, pernas mais pesadas e doloridas. Do coraçao nem falo. "Gracias por todo" (eles nao entendem nossa ironia)

26/05/2006- 14:29-A classe de 91 ( se nao me falham os calculos)
A classe de 91 é a classe das crianças agora no verbo passado, é a classe das promessas feitas, das esperanças pendentes. É a dos de vocaçao poetica que se foram jovens, romanticos como das aulas de literatura. A classe de 91 é a classe das ferragens e dos caminhoes descontrolados, das enfermidades cronicas, das balas cinematograficas pelos loucos de entao. É a classe da mobilidade perdida, do aço artificial, das manchetes de jornal.Das maes temerosas que ainda velam por seus filhos nas noites intranquilas, das meninas agora tambem maes que igualmente velarao. A classe de 91 é a dos garotos magros, dos meninos gordos, das mocinhas bonitas, dos cabelos lisos, crespos, loiros, morenos. Dos namoricos e triangulos amorosos que se esqueceram. Mas a classe de 91 é tambem a classe das tantas maos que curam, do companheirismo solidario, da liga que se mantem. É a classe dos artistas tecnicolor, das coxias, da musicalidade, dos outdoors. A classe de 91 nao é, nunca foi, minha classe. É a classe dos irmaos mais novos, aquela que nos nao chegamos a conhecer inteiramente, mas na qual admiramos os feitos e sobre a qual depositamos nosso orgulho fraternal. Sempre, mesmo a distancia. (pra vc Ale, Feliz dia)

18/05/2006 14:40- ???????????
Minha cidade natal esta o caos; meus poucos amigos pessimos; tenho medo do que vira no proximo e-mail. O que eu ainda estou fazendo aqui? Esperando pra ver a Copa sob a otica dos Argentinos?

18/05/2006 14:38- Sai da comunidade "a gente se fode mas se diverte". Ate mesmo pra o meu cinismo, ha limites de honestidade.

18/05/2006 14:37- Placa de caminhao III
Este caminhao sofreu um acidente e a placa foi destruida, deixou de existir, morreu, foi pro ferro velho

13/05/2006 15:21- Hoje vinha pronta para encher este espaço com mais inutilidade, mais palavras vazias.No entanto, ao abrir meu e-mail fiquei sabendo da morte(possivelmente voluntaria) de um amigo. Nao vou falar da fugacidade da vida, da fragilidade humana, dos por ques...Nos nao eramos os melhores amigos, mas eramos amigos de qualquer forma, e o mundo foi privado de mais uma das poucas pessoas iluminadas, talentosas, boas, que conheci (mesmo quando era um pouco bobinho). Te quero, Dani, esteja onde estiver. Que vc seja feliz e possa construir os sonhos de luz que nao pode construir aqui. Pra vc, o meu melhor e maior beijo no coraçao.

09/05/2006 13:54- Mais filosofia barata...
Virei consumidora assidua dos livros de bolso.Sim, eu gostaria de ter uma daquelas bibliotecas enormes com lindos e preciosos volumes alinhados com primor, mas minha alta mobilidade nos ultimos tempos e meu baixo poder aquisitivo so me permitem as ediçoes baratas de capa maleavel e papel pardo. Os livros de bolso me tornaram uma devoradora ainda mais voraz de qualquer tipo de literatura, dependendo da oferta.Me ensinaram a nao sofrer com o despreendimento das coisas e das palavras, com o passar adiante sem pudor. O trem corre, a sabedoria circula; nao fica parada, nao estagna, nao se cobre de poeira. A letra é mal impressa - mesmo eu, no meu porco espanhol, descubro falhas, um editor sem cuidado, um revisor miope.A facilidade de deformaçao das imagens exteriores, as rugas laterais que se formam no manuseio. Mas a essencia, o pensamento, as ideias e ideais contidos continuam vivos, pulsantes. Assim tambem é a vida, penso eu, ou nós mesmos:livros com encadernaçoes caras e lustrosas, ou simples livros frageis(?????)e vagabundos pra se levar a qualquer canto.

05/05/2006 16:08- Placa de Caminhao II
Vivo bem minhas desgraças para fazer do mundo um lugar mais divertido.
OU
(opçao religiosa a la Chico Buarque): Deus me deu esta desgraceira de vida pra colocar mais alegria no Mundo. (e na vida dele tb)

*Explicaçao: como dizia Bergson, em seu celebre tratado sobre o Riso, as pessoas (so) se riem da desgraça alheia, ou seja, pau no cu, cagada de pomba na cabeça, porta de vidro, coco de cachorro, casca de banana no meio do caminho, etc etc etc DOS OUTROS, é bom.

28/04/2006 15:38- Fui ver "Flores Rotas" (gosto mais do titulo em espanhol).Bill Pullman cada vez melhor; Jim Jarmush(fazia tempo!!!!)como sempre divino com seus sempre longos cortes pausados que parecem dizer "Ei! respire fundo e pense por alguns segundos no que acaba de ver"; todas as atrizes belissimas em suas epocas agora transformadas em (decadentes???)bonecas de plastico(sera que se deram conta da simbologia da escolha ao aceitarem os papeis?). A mensagem obvia(e dita!!!)do filme(embora nao p/ alguns, pela expressao de ? de parte da plateia)é aquela que qualquer pessoa que ja foi a um terapeuta ouviu mais de uma vez: o passado ja era, as pessoas mudam, remexer no passado so nos traz dor qdo ainda nao temos entendimento,as lembranças frente a realidade sao meras ilusoes que nao sobrevivem, apodrecem; no entanto nao podemos nega-lo pois estamos sempre repetindo as mesmas atitudes, mesmas escolhas, mesmas formas de relacionamento,etc etc;tambem nao adianta ficar somente pensando no futuro incerto pois isso nos deixaria loucos; o importante é tentar viver o presente da melhor forma possivel. Enfim, uma boa sessao de terapia que veio a calhar. Durante alguns anos tentei realmente viver assim, esquecendo o passado,me moldando em outra pessoa(que honestamente nao gostava), com atitudes opostas ao que eu era.Ou seja, entendendo tudo(da terapia) errado.Tudo que consegui foi me violentar fisica e emocionalmente, uma e outra vez, repetidamente, porque afinal a essencia nao muda, acho.Ultimamente meu passado (anterior a essa fase) me voltou como um bloco de concreto de forma tanto presente como em pensamentos, por razoes de destino ou(pese que nao sou muito crente) espiritual.Demorou alguns meses para eu ter algumas respostas(algumas meio sobrenaturais...), mas qdo vieram me satisfizeram de forma unica. É dificil garantir, mas creio que nao existirao mais "odes" ao passado aqui, por um bom tempo. Preciso arrumar a casa, limpar as gavetas, colocar o lixo pra fora, organizar contas, comer de forma saudavel, cuidar do companheiro ao lado. Agora.

24/04/2006 18:52- Placa de caminhao I
O dinheiro nao é nossa necessidade mae. Mas sim a mais filha-da-puta das nossas necessidades. PS:Sim, estou num mau-humor dos diabos...

17/04/2006 14:48- A caminho do trabalho, numa esquina, uns senhorzinhos(e inhas) pedem ajuda para um abrigo de animais.Mostram as fotos, estao invariavelmente com algum bichinho.Sempre que tenho uma moeda no bolso, lhes dou.Sei que deveria dar a alguma criança carente, mas fazer o que?Tive um cao que morreu velhinho com cancer(ainda lembro dos seus olhos tristonhos e me vem a sensaçao de que falhei em algum ponto);tenho dois gatos que dormiam comigo e ficaram com minha mae. Na minha vida abandonada, os seres ditos "irracionais" foram os unicos que me deram amor incondicional e sem falsidades.Mesmo quando eu dava patadas. Talvez esta seja uma prerrogativa.

15/04/2006 14:19-Solidariedade
Já falei que a vizinha de baixo é uma bruxa.Pois é...Ontem fui tirar o lixo as tres, a porta bateu sozinha e como tem fechadura "automatica", fiquei presa pra fora(essas coisas só acontecem com pessoas como eu, e nao é a primeira vez...). O zelador, com "aquela" boa-vontade(era sexta feira santa), depois de tentar sem sucesso abrir com um cartao que a vizinha emprestou, inventou uma desculpa, disse "volto já" e picou a mula.Desci e fui atras de um chaveiro, inutilmente(era sexta feira santa...).Nao tinha um puto no bolso, de camiseta e o frio aumentando.Sentei na escadaria entre andares, esperando que meu dignissimo marido aparecesse.Para aproveitar o tempo resolvi fazer "step" nas escadas, quem sabe me aquecia...Lá pelas cinco e meia, a velhinha foi saindo rumo a missa, penso.Chamou o elevador e me viu. Perguntou o que tinha acontecido, se podia ajudar.Expliquei no meu pessimo castellano, e ela, muito solicita, começou a me oferecer um cafe, um telefone, umas galletitas(bolachas), uma blusa(pq estava frio).Recusei educadamente, mas ela insistia.Perguntou meu nome, e depois de repiti-lo(é impronunciavel, ao que parece, em castellano)me disse que era um nome bem brasileiro(nao, nao é minha senhora...). Perguntou de onde eu era:San Pablo, ah una ciudad muy linda!(nao, nao é minha senhora...).Ofereceu novamente o cafe, o telefone...Novamente recusei. Chegou o elevador, ela por fim me disse que se precisasse de algo era só tocar no seu apto.E se foi.Vou confessar: me senti na historia de Joao e Maria, ou numa da "Crypta" em que uma loira "gostosona-filha da puta-golpista" se faz de orfa e tenta enganar uma doce velhinha; qual nao é sua surpresa quando ao entrar na casa desta descobre que a velha tem um filho louco cujo principal entretenimento é desmembrar mocinhas bonitas.Pese que nao sou nem loira, nem gostosa, nem golpista, mesmo assim nao pude deixar de pensar na voz gutural do filho da minha vizinha que chega pelas janelas. Preciso tomar cuidado: o sentimento de inadaptabilidade alimenta uma imaginaçao paranoica.

Hoje choveu a noite inteira.O problema em si nao foi a chuva, embora BsAs tambem sofra com as enchentes, e o transito caotico.Nem o fato d´eu, nestes momentos, me lembrar do texto inteiro de "Fala Comigo Doce Como a Chuva"(Tenessee Willians), e do conto "Rain" de S.Maugham, que deu origem ao filme(nao exatamente fiel) com Rita Hayworth, e ser tomada por profunda melancolia.Nem foi a roupa umida que ficou ainda mais umida mesmo no varal coberto. O problema foi sair de manha e enfrentar os subitos vendavais nas viradas de esquina, eu com meus 54 quilos muitas vezes sendo quase levada, nao só pela magreza, que nao é tanta, mas principalmente pelo andar solto do corpo que aprendi antes mesmo de estudar Teatro, quando aos 15 anos(acho), num momento de rara bravura resolvi, magrela, enfrentar a cavalona "sai da frente que sou trator" da outra classe no handball da aula de educaçao fisica. Ela veio, o sorriso sadico na certeza de que eu ia dar passagem como as outras, fiquei. Mal senti o choque, desequilibrei dois passos pra tras, o joelho como mola amorteceu e impediu a queda, enquanto ela rolava no chao berrando:"Falta!Falta!" Ao que a professora, tambem num raro momento de justiça(nosso desprezo era mutuo)rebateu:"Falta aonde?Voce que foi pra cima!" Me senti a heroina do dia.A grandalhona nunca mais veio pra cima, eu tambem nao fiquei mais na frente (pra que cutucar onça com vara curta?). Enquanto me lembro, o vento quase me leva na esquina seguinte.Tranço as pernas mas nao vou.Fico quase feliz.Meus joelhos-mola, apesar dos quase 20 anos a mais, ainda funcionam bem.

10/04/2006 16:26-O passado volta. Dou cabeçadas contra a parede para tentar convencer meu cerebro a viver no presente, que é mais saudavel. Talvez eu esteja morrendo. É um lugar-comum, mas dizem que quando se tem essa sabedoria a vida passa inteira ao reves ante seus olhos. Vou ao medico, faço exames.Tudo parece normal, a nao ser que um piano caia sobre minha cabeça ou um caminhao ultrapasse o sinal vermelho. O passado volta, constantemente. Nao o recente, como era de se esperar, mas o de 15, 20 anos atras. Talvez eu ja tenha mesmo morrido tantas vezes, aos poucos, dentro de mim, que agora o filme, com certo atraso, passe espectramente sem parada.

10/04/2006 16:18- Epitafio
Fiquei sabendo que voce morreu.Nao hoje, mas ja faz um tempo; fiquei sabendo com um ano de atraso e te escrevo adicionando talvez o dobro de tempo.Nós nao eramos amigas, mas podiamos ter sido se eu na epoca das apresentaçoes nao achasse que voce no fundo tinha uma queda pelo meu namorado de entao; se tambem voce nao achasse talvez que o rapaz em questao merecesse algo melhor que eu. Tudo passado, tudo ciumes bobo que nao me impediu de simpatizar com a menina miuda de cabelos acinzentados e olhar intelectual, parecendo deslocada no meio do bando de artistas loucos; a porçao juridica, a porçao receosa, a porçao equilibrio. A noticia veio assim, de chofre, e me apertou o coraçao; tao nova, a minha idade!Nao foi acidente, foi cancer.Voce que tinha a vida tao regrada, que nao enchia a cara,nao fumava, nao parecia depressiva.Devia ter sido eu, pensei.Voce teria feito talvez um homem feliz, voce teria tido filhos lindos,voce teria feitos coisas boas que eu nao faço.Voce foi corroida internamente por causas que nao posso imaginar mais injustas.Voce morreu e tinha como primeiro nome aquele que eu sempre quis dar a filha que nao terei nunca,o nome mais curto,mais simples e belo que ja vi; o tambem primeiro nome da minha amiga mais querida, daquela que me chama irma e que dou tantos canos e me perdoa por eu lhe dar uma amizade tao ruim. Voce talvez fosse tao generosa como ela, tao diferentes nao podiam ser- ela de constituiçao forte, voce parecia tao fragil; mas devem ter esta qualidade mesma impressa no nome,essa doçura, essa fidelidade sem compromisso. Voce morreu e eu nao pude te levar flores, eu que odeio os cemiterios, fiquei imaginando a dor dos amigos, a figura triste do homem amado.Voce morreu mas esta viva nas recordaçoes dos que te conheceram realmente, pessoas que te amaram e respeitaram.Pessoas pelas quais voce com certeza vela, esteja onde estiver. Voce morreu e precisou isso para que eu me lembrasse da sua imagem ja quase apagada na minha memoria, a amiga que nao foi, mas que ensinou a liçao maior sobre a fugacidade da vida, a velocidade do tempo, a presença constante do fim.

04/04/2006 19:01-Viver simplesmente
-Comer fruta, muita;
-Ter 2 ou 3 calças jeans,meia duzia de camisetas, o mesmo de roupa-íntima; 2 pares de tenis e 1 par de sapatos escolhidos na sapateira que ficou lá atrás; uma blusa de lä, um moletom, um casaco gosso de inverno;um vestido melhorzinho;
-Caminhar muito;
-Viver de cortado e factura;
-Esquecer a sensaçao da agua gelada descendo pela garganta;
-Adorar lavar roupa;
-Ir ao cinema de segunda a quarta;
-Ler jornal nos cafés;
-Nao ter a mínima ideia se existe ou nao saida para antena de tv em casa;
-Admirar vitrines sem sentir vontade de entrar nas lojas;
-Saborear um chocolate com a saudade que se tem de um amigo de infancia;
-Errar as contas e descobrir que vc tem mais do que diz a maquina;
-Esquecer nas gavetas aneis, brincos, colares e outros adornos;
-Aceitar a gripe constante como parte do dia-a-dia;
-Chorar debaixo do chuveiro quente

04/04/2006 18:53-Imagine um restaurante self-service com o tamanho de uma praça de alimentaçao de shopping.De vez em quando,eu como ali.Todos os dias(ou pelo menos nos que vou), pontualmente as oito e meia, um casal bem vestido ja de idade entra com um garoto de uns quinze ou dezesseis anos com alguma deficiencia que meus parcos conhecimentos na area nao me possibilitam precisar qual. O homem senta com o menino ao lado, a mulher vai buscar a comida. Volta com a bandeja repleta de um pouco de cada oferta do dia (sempre as ofertas).O vaso grande de refrigerante é para os tres. A mulher serve alguns bocados ao rapaz, o homem pega quase nada de comida, que come muito devagarinho. A maior parte fica com ela, que come com a voracidade de quem tem em si toda a fome dos outros.Nao falam, o silencio avassalador só é quebrado quando o menino faz alguma brincadeira, ri e se balança na cadeira, para receber logo o olhar de dura censura da mulher. Ela e o homem nunca sorriem. Me faz mal, perco a fome. Me lembra o conto de um autor brasileiro - nao lembro qual - que li na adolescencia e gostava muito, sobre um casal humilde que entra com a filha pequena num boteco e pede uma fatia de bolo com a qual sentam-se, festejam o aniversario da criança e dividem entre os tres. Era doloroso, mas ao menos ali parecia haver uma liçao doce, de que nao importa cor, raça, poder financeiro: a felicidade pode estar nas pequenas e simples coisas. Aqui nao.Ao olhar pra essa mesa, só consigo ver tres coisas: mesquinharia (na fome da mulher), amargura(nos olhos do homem), desespero(em ambos).Minto. Vejo tambem inocencia no rosto do rapaz. Uma inocencia muito pura num rosto ja bonito por si só.Me pergunto até quando ela pode sobreviver nesta batalha que me parece perdida.

Ontem à noite no restaurante.O casal da mesa ao lado colocava fim à relaçao.Nao se ouvia uma palavra do que diziam, mas os sinais eram claros: ela de costas muito eretas, aparentando uma segurança talvez mentirosa; ele acabrunhando-se cada vez mais, os olhos enchendo-se de lágrimas que por fim transbordaram tímidas pelo rosto(um rosto tao bonito, tao sensível...).Em nenhum momento da conversa quase muda ela esticou os braços e lhe tomou as maos que jaziam trêmulas sobre a mesa.Conheço bem a situaçao:evita-se o contato físico para se manter firme a decisao. Pagaram a conta, levantaram-se e saíram juntos.Mais distantes porém, impossível. Senti pena.Ela ainda nao sabe, mas vai sofrer muito mais do que ele.

02/04/2006 17:20-Leio em uma revista sobre casais de ex-namorados ou amigos que nao se vêem há séculos, se reencontram, se (re)apaixonam e vivem felizes para sempre.Isso só acontece na ficçao ou na vida dos outros.Na nossa nao. A nossa vida é árdua, meu bem, como tempestade de areia sobre o deserto.Eu sou um arbusto seco que nao cria raízes; você é a árvore frondosa cujas raízes se aprofundam na terra; as flores que porventura gero, estéreis, nao produzem pólen suficiente para que um passarinho possa te levar; teus frutos têm sementes muito pesadas que se quedam ali mesmo e germinam à sua volta. Sou o riacho cujos veios desabam na ribanceira; você o rio caudaloso que desagua no mar. Nós nem ao menos fomos capazes de manter vivo o contato durante todos estes anos para cumprir o pacto de, chegados os trinta, caso os dois nao estivessem casados (nao íamos machucar ninguém), trocarmos alianças ou suicidarmo-nos de maos dadas. Os trinta passaram brevemente, e na nossa incompetência nos esquecemos em gavetas empoeiradas como medicamentos de validade expirada. Nao, essas coisas nao acontecem na nossa vida. A nossa vida é a do desencontro, do destino bifurcado. PS:E eu ainda tenho seu cavalo branco de plástico guardado numa das minhas caixas de mudança.

02/04/2006 17:07-Filosofia Barata
A felicidade é uma ilusao fugaz estampada pelos raios solares numa tampinha antiga de coca-cola.Se se recolhe do chao e se guarda no bolso, desaparece tao logo surgiu, absorvida pela ausência de luz. O metal umedecido enferruja, e ao meter a mao descuidadamente tempos depois, corta-se a carne e o veneno que entra vira tétano.A vacina que se tomou na esquecida infância perdeu a validade já na adolescência, e pode ser que com a sorte ao lado a morte venha rápida e sem muita dor. Mas na maioria dos casos só lhe toma partes, que apodrecem lenta e dolorosamente, gangrenam e produzem amputaçoes. E você segue assim, com um ou dois membros faltantes, provocando de quando em quando recordaçoes do sangue circulante que sim ou sim se frustram no vazio. Eu queria morrer amanha. Mas Deus acha talvez que ainda nao sofri o suficiente. (Peço licença, Meritíssimo, mas este é um julgamento injusto cujos parâmetros eu gostaria de contestar!!!!!)

02/04/2006 16:55- Arte com propriedade
A última vez que discuti Arte, de verdade, acho que tinha 18 anos.Estava numa festa com meu namorado.Eu, a universitária arrogante cheia de teorias;ele alguém que tinha crescido dentro da Arte, que embora nao admitisse, transpirava a mesma pelos poros (vou ter que falar dele adiante, eu sei). A discussao ia virando quase briga,quando um amigo nos lembrou que éramos o casal mais chato a perder a festa.Isso bastou para baixarmos as armas e apresentarmos rendiçao mútua. Passou o tempo, o namorado, a faculdade...E é lógico que voltei a discutir Arte em classe, em grupos; mas sempre meio distanciada.E quando me deparava com pessoas muito mais inteligentes que eu, Mestres inesquecíveis, estes me deixavam muito mais muda que disposta a discutir meus pobres conhecimentos.E mesmo nestas ocasioes (também quando dava aulas), hoje vejo que discutia muito mais ideais que a Arte em si. Depois, passado mais tempo, fui trabalhar num local onde pretensamente,entre outras coisas, discutia-se Arte. A situaçao era agora inversa, os outros no papel de universitários(do tipo que coleciona leitura de resenhas de livros que li inteiros), arrotando seu conhecimento equivocadamente muitas vezes embasado.Nao tinha vontade de contestá-los: queria mais era discutir ideais que nao carecem de "ismos" e que vêm, sim, do coraçao dos homens.Me sentia uma farsante. Agia como tal. No entanto, nao se apercebiam. Entao um dia vi que estar ali(mesmo apenas fingindo discutir Arte) me estava fazendo perder a festa novamente.Só que esta festa de agora era a Vida, as pessoas que amava,a menina de 18 anos daquela outra festa.Deixei tudo pra trás. Hoje tenho um marido muito bom, cujo interesse por Arte me parece quase nulo, o que nos impossibilita discutirmos com propriedade. Mas nao faz mal, existe a Arte também de viver de verdade, a qual eu necessito tanto quanto à outra. A Arte, aquela outra, esta eu faço ou discuto comigo mesma, contrariando todas as teorias sociológicas quanto a seu papel.

01/04/2006 16:20 Para vos, Juan...
A Boca é linda.Linda nos seus estilizados cortiços multicolores que fazem a festa nas lentes dos turistas, no azul, amarelo e vermelho que se refletem e se mesclam no chao de paralelepípedos repleto ainda do eco dos tacos que bailam nas gravuras-prisoes os volteios dos tangos. A Boca é linda nas recordaçoes antigas e outras tantas industriais que se vendem nas lojas de "artesanías". A Boca é linda na sua decadência maquiada que esconde a face ainda real na virada da viela.A Boca que o viajante nao vê no casal que dança em plena rua,a Boca dos trabalhadores da parte menos nobre do porto,daqueles que toda manha tomam o 59 em direçao ao microcentro dos hotéis luxuosos, que ao final da tarde regressam para suas casinhas velhas, estas cinzentas e sem calefaçao. A Boca é linda no sorriso das crianças mais índias impossível, nas crianças que comem o pao-nosso de cada dia na generosidade do "nosso lar", da comida pouca distribuída com o mais verdadeiro amor. A Boca é linda quando a deixo na covardia do meu castelhano mal falado, esquecendo que a arte, assim como a infância, como a pobreza, nao carece de compreensao gramatical.É linda nas palavras que com certeza deixam os lábios cansados na reza diária, no coraçao dos aflitos, no sono dos justos, no injusto cotidiano.A Boca é linda até mesmo como a sujeira que se agarra à pele, como a lágrima que escorre prismando sonhos. A Boca é linda, muito mais linda do que conseguem captar os cliques asiáticos dos meros casarios registrados no cartao-postal vendido na esquina.

29/03/2006 16:21- Que me perdoem os nativos, mas este país está cheio de loucos.Nao loucos como nós, que se refugiam na intimidade dos seus lares,trabalhos, cabeças enfim, loucos "normais" que convivem diariamente com os outros, que encerram sua loucura quando necessário. Nao, este país está cheio de loucos de verdade: mulheres que entram nos cafés com maquiagem extravagante e roupas estapafúrdias, verdadeiras figuras fellinianas que se sentam e falam sozinhas por horas; senhores bem vestidos que parados no meio da rua entabulam discussoes animadas com amigos imaginários usando do direito a gesticulaçoes, a mudanças de humor(até um "hasta luego" já ouvi!). Seria cômico. Se nao fosse trágico.Meu Deus... para onde vai a América???????

29/03/2006 15:36- Oraçao da Serenidade (ensinada por um cético amigo)

Concedei-me, Senhor

A serenidade necessária para aceitar

As coisas que nao posso modificar;

Coragem para modificar

Aquelas que posso;

e Sabedoria para conhecer

A diferença entre elas.

Vivendo um dia de cada vez;

Desfrutando um momento de cada vez;

Aceitando que as dificuldades

Constituem o caminho à paz;

Aceitando, como Ele aceitou,

Este mundo tal como é, e nao

Como Ele queria que fosse;

Confiando que Ele

Acertará tudo contanto que eu

Me entregue à Sua vontade;

Para que eu seja razoavelmente feliz

Nesta vida e supremamente

Feliz com Ele eternamente

Na próxima.

PS: Sinto falta das suas puxadas de orelha...

29/03/2006 15:32- Sinto falta do "til".Neste país é impossível sequer encontrar um teclado que tenha o sinal. Nao existem palavras com til.A solitária letra que leva o til é o n.Me incomoda um pouco escrever sem circunflexo, crase e agudo, mas a falta do til me faz sentir uma incapaz! Me sinto alimentando a ignorância.Me recuso a usar o "naum", desculpem-me sou antiquada, essa linguagem virtual pós-moderna me dá a sensaçao de perder anos de estudo, anos de leitura, me amputa partes de meus pensamentos.SINTO UMA PUTA FALTA DO TIL!

26/03/2006 15:54-Domingo de manhã.
Se eu fechar os olhos, usando um pouco de imaginaçao por poucos e preciosos minutos esquecer as palavras em si e me fixar na entonaçao, posso achar que estou em um cortiço italiano. Ou, se forçar um pouco mais e imprimir colorido à criatividade, numa vila italiana. O "Vení Pablito!" tem o mesmo som.Um dos vizinhos de cima (nao sei qual) coloca uma série de óperas antigas e canta com sua voz de barítono desafinado; a velha bruxa debaixo (sim, tem uma aqui tb!)volta religiosamente da igreja às 12h, coloca os pratos para o filho de voz gutural, e o diálogo surreal que se segue é o seguinte: "-Que rico este choclo, Mama! -Hum-hum -Que rico estos tallarines! -Hum-hum -Que rico este chorizo! ..." E por aí vai. Impossível nao ouvir as conversaçoes em decibéis que nao negam a ascendência européia através das paredes finas.Logo começa a lavaçao de roupa: os tanques se enchendo e esvaziando, o "tchac-tchac" nervoso.Aperto mais os olhos, falta alguma coisa... Falta o som de um cachorro latindo, um gato miando.Dura pouco, tenho que me levantar(já é tarde!) abrir as janelas,deixar a pouca luz mortiça a que tenho direito entrar.Queria ter direito a isolar o barulho.

25/03/2006 16:10- Uma das maiores escritoras que já li,quando perguntada pq escrevia, respondeu mais ou menos isso: "Para viver. Eu nao poderia viver se nao escrevesse". Eu, na minha humilde mediocridade(nao tenho pretensao de ser escritora!) devo dizer que escrevo para sobreviver.A mim mesma.

25/03/2006 15:54- Nunca pensei em criar um blog.Talvez pq os poucos que li sempre me pareceram um pouco egocêntricos, talvez pq ache que nao tenho nada muito importante pra dizer.Mas eu me conheço: começo a escrever no meio de cadernos, as folhas acabam, passo a escrever nas laterais,volto 3 folhas atrás, tudo perde sentido. Vou perder estas folhas, eu sei. A única forma de dar lógica é essa, acho.