quinta-feira, 30 de julho de 2009

S.O.S

Sempre gostei do frio, dos outonos pálidos e mesmo cinzentos invernos, sempre pouco solar, Deus me deu desidrose, fotofobia, pressão baixa. Mas de repente o ar molhado sufoca, impede a respiração, os joelhos e demais juntas doem, a gosma penetra, fere, a umidade me mata. Um ano do cubículo sem sol criou escaras, camadas de líquen sobre os ossos que ainda persistem, que não descolaram apesar do tempo passado, orvalho sobre a pele. Continuo gostando dos banhos de chuva, não incomoda andar sob pingos quando gordos, a água é limpa, mesmo sob o céu poluído e tóxico lava meus pensamentos. Incomodam-me as gotículas paralisadas nos cômodos, nas roupas, na superfície das portas. A gente envelhece, eu sei, começa a fazer previsões do tempo pelas cicatrizes, e também agora talvez eu esteja tão próxima da queda como nunca, tão próxima de uma depressão maior do que o pânico com o qual lutei ainda com forças há três anos, pior que há mais de dez anos me defendendo de uma infecção nos pulmões, coração e cérebro, que este tempo antecipa desastres. Estou bambeando sobre o nylon, passando longe de pontes e escondendo a tesoura antes de usar o espelho, durante o dia distribuindo sorrisos que falseiam a obscuridade interior, a vontade de rasgar a cobertura de escamas encharcadas e vomitar vísceras- é difícil abrir mão da máscara de fortaleza e futilidade diária, minha armadura brilhosa corroída por ferrugem tetânica...!
Estou mais do que nunca precisando de você, volta meu querido, meu apoio sem bases muito firmes, meu cilindro de oxigênio mal calibrado, meu bote salva vidas furado, minha saída de emergência miragem, mas a única que enxergo nesse instante de vertigem em que me afogo na neblina úmida.

domingo, 19 de julho de 2009

O que é feito da Mulher-Aranha?



Se tem uma coisa que devo agradecer em nascer entre dois irmãos, entrar na escola(e não creche) com 01 ano de idade e ter morado em uma rua predominantemente masculina, é ter adquirido alguns hábitos incomuns no que se refere a gosto infanto-juvenil. Meu irmão mais velho me ensinou a brigar como homem, gostar de carrinho de rolimã, ouvir Beatles e heavy-metal, curtir filmes de terror e, finalmente, a ler gibis de heróis. As HQs e seus personagens sofreram uma evolução imensa durante toda minha infância e adolescência, hoje acompanho bem pouco, a não ser por edições especiais, mas alguns fatos ficaram marcados:o Surfista Prateado foi um dos primeiros personagens a apresentar dúvidas existenciais e questionamentos filosóficos, mas não era humano. Sem dúvida o Homem-Aranha foi o primeiro a ser humano na sua totalidade, um cara fodido, com problemas reais como a falta de grana, necessidades básicas de sobrevivência, emprego de merda, etc etc. Mas a personagem que mais causou impacto na minha pré-adolescência foi sem dúvida a Mulher-Aranha (que nenhuma ligação tinha com sua versão masculina).
A Mulher-Aranha chamava-se Jessica Drew, era filha de um cientista ou coisa assim, tinha adquirido seus poderes ainda criança, quando recebeu uma injeção a base de não sei o quê de aranha para não morrer. A questão não é como ou quais poderes ganhou, o grande lance da Mulher-Aranha era quem e como era sua vida. Era uma morena gênero "gostosona" quando vestia o uniforme, já tinha sido do Mal mas se redimido, era atacada e incompreendida. E também seu alter-ego, Jessica. Jessica era bonita, inteligente, mas não arranjava emprego, namorado, ou amigos. Era estranha. As pessoas sentiam uma certa aversão por ela. Provocava uma "sensação", provavelmente química, que afastava as pessoas. O fato é que não achava lugar no mundo. Lembro das inúmeras tentativas frustradas em entrevistas, dos caras que a convidavam para sair e davam pra trás, da absoluta solidão e falta de relações.
Eu era criança, tinha poucas amigas e me dava bem melhor com os meninos, mas tem um momento em que os interesses meio que se afastam, infelizmente é o mesmo em que as meninas também têm uma tendência mais rápida a se ligarem em futilidades (isso muda com o tempo, ou ao menos se iguala), as mínimas amigas que tinha foram convergindo para outros caminhos, os garotos para seus próprios, e eu era, naquele momento, a Mulher-Aranha ou, pelo menos, Jessica Drew. Lógico que nem de longe tinha um terço da beleza dela, mas compensava com a mesma timidez, o mesmo sofrimento, a mesma sensação de inadaptabilidade. Ao contrário das crianças que se perguntam, ou imaginam, que foram adotadas, eu me perguntava se não havia recebido uma injeção igual a da Mulher-Aranha.
E cresci assim, fechada, quase incapaz de levar um papo numa boa com as pessoas por um longo período, sendo aquela que nas festas e aglomerados passa despercebida, que nos grupos fica isolada, que não se sente à vontade em nenhum lugar. Não reclamo disso, aprendi a conviver com o fato e esperar as pessoas exatas para me deixar conhecer.
Mas hoje acordei às 4h30 da manhã depois de 03 dias de uma pseudo (re)convivência com alguém que já amei demais de uma forma não-carnal mas ainda mais profunda, alguém que é capaz de me levar às lágrimas com os mais simples gestos porque eu conheço-o bem demais e ele a mim, embora a gente se veja tão pouco, alguém que me enxerga por baixo da máscara de pele, e me mantive bem longe, à distância segura, no escuro deixando as palavras que só a mim atingem de maneira tão particular me machucarem. Tão perto, tão longe...
Me lembrei da Mulher-Aranha. Um dia ela simplesmente sumiu, deixou de circular. E embora acredite, não consigo me lembrar se em algum momento se encontrou, foi acolhida. Porque simplesmente resolveram cancelá-la.