Sempre gostei do frio, dos outonos pálidos e mesmo cinzentos invernos, sempre pouco solar, Deus me deu desidrose, fotofobia, pressão baixa. Mas de repente o ar molhado sufoca, impede a respiração, os joelhos e demais juntas doem, a gosma penetra, fere, a umidade me mata. Um ano do cubículo sem sol criou escaras, camadas de líquen sobre os ossos que ainda persistem, que não descolaram apesar do tempo passado, orvalho sobre a pele. Continuo gostando dos banhos de chuva, não incomoda andar sob pingos quando gordos, a água é limpa, mesmo sob o céu poluído e tóxico lava meus pensamentos. Incomodam-me as gotículas paralisadas nos cômodos, nas roupas, na superfície das portas. A gente envelhece, eu sei, começa a fazer previsões do tempo pelas cicatrizes, e também agora talvez eu esteja tão próxima da queda como nunca, tão próxima de uma depressão maior do que o pânico com o qual lutei ainda com forças há três anos, pior que há mais de dez anos me defendendo de uma infecção nos pulmões, coração e cérebro, que este tempo antecipa desastres. Estou bambeando sobre o nylon, passando longe de pontes e escondendo a tesoura antes de usar o espelho, durante o dia distribuindo sorrisos que falseiam a obscuridade interior, a vontade de rasgar a cobertura de escamas encharcadas e vomitar vísceras- é difícil abrir mão da máscara de fortaleza e futilidade diária, minha armadura brilhosa corroída por ferrugem tetânica...!
Estou mais do que nunca precisando de você, volta meu querido, meu apoio sem bases muito firmes, meu cilindro de oxigênio mal calibrado, meu bote salva vidas furado, minha saída de emergência miragem, mas a única que enxergo nesse instante de vertigem em que me afogo na neblina úmida.
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