segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

De como destruir coisas belas (ou: as consequencias de "pagar pra ver")

O platonico tem razão de ser e existir, nem sempre é aconselhável sair do campo da imaginação. A situação é a que segue:mulher idiota, se achando muito mulher mas sempre agindo de forma infantil nas vicissitudes da vida. Ela era tímida, mas do tipo quase arrogante "pago pra ver", o que por si só revela uma incontestável incoerencia. O problema é que as posturas e decisões a base desta premissa, ou habitualmente dependentes de maturidade, caiam por terra quando frente a frente com os gigantes criados na sua mente. Era uma criança, agia como tal.
Ela jantou na noite anterior com o tumor adormecido embaixo do lado esquerdo do peito, localizado na cavidade entre a grade das costelas e o orgão pulsante, mantendo as mãos postas na mesa de forma quase relaxada, ignorando o zumbido distante se aproximando perigosamente do labirinto, desviando as palavras das curvas perigosas. Entrelaçou os braços para compor uma couraça protetora aos " e se" e ao ruído provocado pelo trincar da parede iluminando o salão. A luz, em algum momento desejada, agora podia ferir seus olhos. Ela distraiu seus pensamentos com a imagem de um campo florido numa tarde de verão desvanescente, foi deixando a doçura afastar-se sem causar dor, quase morfinada. Ela não tinha subido no vagão a 15 anos atrás, não tinha pago pra ver.
O acontecido, somado a uma temporada de tufões, alimentou nela a certeza do dia seguinte, o esforço de kilometros a vencer com objetivos verdadeiros e honestos, mas agora numa análise póstuma, talvez falsos. Ela corria contra sua própria parede. O encontro foi quase formal e ela não percebeu. Não percebeu que a generosidade era somente generosidade, que não era hábil leitora de sinais. Tudo estava meio esfumaçado e recoberto com um filtro leitoso que lhe impedia de ver os detalhes. Ela não deveria ter usado a bebida para esconder sua incapacidade de ser, mesmo porque o teor alcoolico não era suficiente para tal. Ela deveria ter sido menos vaidosa, mais humilde, mais mulher e, ali, na mesa, ter perguntado.
A resposta dele seria "não", ela engoliria em seco mas o cavalheirismo dele seria delicado.
Mas não, ela quis escavar a ferida, ela quis pagar pra ver.
Quase 04 horas depois ela fechou atrás de si a porta do quarto e fez o que ele não viu: deixou correrem livres as lágrimas de vergonha por ter derrubado um vaso tão precioso, ter quebrado algo tão belo.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Do amor e outros enganos

Aos 16 anos, no colégio, o tema da redação era "Amor". Eu tinha um visão muito particular da proposição, longe de ser romântica, resumidamente escrevi que este sentimento, para ser verdadeiro, deveria ser de tal intensidade, que me parecia impossível ao ser humano suportá-lo. Amar significava uma espécie de morte do indivíduo. Amar significava consumir-se em auto combustão. A nota de rodapé da correção provocou em mim uma das muitas revoltas contra o sistema educacional, já que, sem nenhuma delicadeza, insinuava que o texto não era meu, pois como podia uma menina daquela idade ter idéias e um linguajar tão fatalista? Os anos se passaram e aprendi também que existem outras formas de amar, independentes daquelas que envolvem dois amantes, que estão mais ligadas a um sentir fraternal, mas que eu já vislumbrava sem grandes convicções. Este amor que redigi com violência nas metáforas e metonímias me parece cada vez mais distante diante da minha recusa de perda de sentidos. Eu amei desta forma uns bons anos adiante, e seja por medo ou falta de percepção, recolhi meus pés e deixei a beirada da rocha. Quando me dei conta era tarde, o sentimento permanecia e ainda permanece, mas outras pessoas haviam se entreposto entre nossos corpos e nós evitamos, em comum acordo, a possibilidade do encontro. Não existe frustração, existe o evitar de cruzamentos, o lembrar-se do outro como uma doença crônica que por vezes em dias chuvosos provoca uma dorzinha em algum lado, mesmo em uma cama preenchida pelo calor de um outro. E eis que há pouco menos de dois anos novamente reconheci o rosto deste sentir num dos caminhos da minha vidinha, neste momento bem vidinha, e mais uma vez me neguei a crê-lo como certo, mesmo porque unilateral, mesmo porque outra sobreposição de corpos. De novo criei brechas de fuga, espaços de estrada na minha mente, enganos dentro de mim. E bastam 2 minutos para jogar por terra a ficção gestada para me dar forças, me dar liga para que não me esfarele. 120 segundos que me fazem ir até você, sempre, como uma gota de mercúrio em um campo magnético.
Eu pólo negativo, você positivo.
Num taxi a caminho de casa fui pura Clarice: a máscara escorrendo do rosto falsamente maquiado na segurança da personagem . Me entregar significa a morte: deixar de ser quem sou agora nesse instante, transmutar-me em outro eu que existe sim, mas que me destrói, me despedaça.