A caminho de casa parei naquele posto, entrei no Banco, e lá, solitária, meu cartão travou no caixa eletrônico. Tive um segundo de sensação de Deja vu, lembrei de vc, Joãozinho, a gente se encontrou pelo menos umas três vezes na mesma situação, no mesmo lugar, tão perto do seu trabalho... Vc pediu licença e explicou que naquele caixa tinha que colocar o cartão devagar, tirar com a mesma velocidade, que dava certo. Eu não tenho pensado muito em vc, acho que a mente tenta colocar os fatos dolorosos pra debaixo do tapete, e de vez em quando bate um vento, a aba levanta e a gente vê o que tem por baixo. É que foi tudo tão absurdo, a gente ficou sabendo mais de um mês depois, ninguém teve coragem de avisar, de divulgar as palavras trágicas, de dividir a dor. Eu não te via fazia muito, fiquei um tempão sem ir na oficina, ou porque não tinha carro, ou porque ainda não precisava, e ainda não acredito na história. Eu te vi ali do meu lado no caixa eletrônico do banco absolutamente vazio e vc estava com os cabelos ainda no ombro, aqueles cabelos tantas vezes longos, invejáveis por conta do brilho e do negror, cabelos que qualquer mulher daria a vida pra ter. Os mesmos olhos amigáveis, o mesmo sorriso que iluminava o dia mesmo quando apresentava notícia ruim, mesmo quando cheguei totalmente sem freio, sem pastilha, sem disco na oficina. A gente mal se conhecia mas talvez pelos nossos pais parecia que éramos amigos de infância, dava vontade de passar a tarde batendo papo, eu te contei tantas coisas, que ia pra Portugal e vc como bom "filho de" me avisou que os portugueses eram tapados, que tinham viseira impedindo a visão periférica, reclamei de trabalho, da vida, de tudo. E vc com aquele jeitão de sempre, na boa, falava de namorada, de literatura, enquanto analisava motor. Vc era um dos ursos que encontrei pelo caminho, alma boa, coração de ouro, gestos de gentleman. A gente teve o mesmo estudo mas vc optou por um trabalho mais braçal, talvez porque gostasse de consertar as coisas, de montar e remontar peças, de lidar com mecanismos, com coisas que podem ser arrumadas. Eu senti sua mão ali no cartão, ele finalmente passou e eu saí com lágrimas escorrendo por baixo dos óculos escuros, ainda não posso acreditar que foi vc que fez isso contigo mesmo, não posso
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